Avança luta para punir crimes da ditadura
Recurso da OAB, que defende que tese do Supremo não atende regras internacionais, deve voltar a ser debatido hoje
O Supremo Tribunal Federal deve apreciar nesta semana o recurso apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questionando validade da Lei da Anistia. Será a primeira vez que o STF vai apreciar o tema depois da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em novembro do ano passado, condenou o Brasil por não ter punido os responsáveis pelos crimes contra os direitos humanos cometidos durante a ditadura militar (1964-1985).
Ativistas e autoridades envolvidos com o assunto consideram difícil que o Supremo reconsidere a sentença de abril de 2010, na qual ratificou a validade da Lei da Anistia. Nos entanto, segundo eles, um possível revés no STF não impede a onda de iniciativas para tentar punir os responsáveis por torturas, assassinatos, sequestros e outras atrocidades cometidas durante a ditadura.
Enquanto o Supremo se debruça novamente sobre a Lei da Anistia, o Ministério Público Federal prepara ações criminais contra torturadores, o Congresso Nacional, assembleias legislativas e até câmaras municipais instalam comissões da verdade e jovens ativistas promovem “esculachos” na frente das casas ou locais de trabalho dos criminosos.
Segundo o procurador da república Ivan Marx, coordenador do grupo que tenta enquadrar juridicamente o coronel da reserva Sebastião Curió, acusado de sequestrar e assassinar pelo menos cinco integrantes da guerrilha do Araguaia, a nova linha de atuação do MPF independe da Lei da Anistia.
Em vez de questionar a lei, a ação contra Curió –que deve ser apenas a primeira de uma série em todo Brasil— usa o argumento do crime continuado já que os corpos dos guerrilheiros sequestrados nunca foram encontrados e, portanto, não há como provar que eles estão mortos. E mesmo que as mortes sejam confirmadas, os responsáveis continuam cometendo o crime de ocultação de cadáver.
“Com uma revisão da Lei da Anistia pelo Supremo poderíamos incluir outros crimes como tortura e assassinatos. Em relação aos crimes continuados não muda nada”, disse ele.
Segundo Ivan Marx, enquanto não houver uma revogação judicial da Lei de Anistia o Brasil continuará desrespeitando a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Não sendo aceito o recurso da OAB o Brasil segue em situação de permanente violação”, disse o procurador.
Na sentença, a Corte da OEA determina que o Brasil crie uma comissão nacional da verdade, garanta o acesso de familiares à informação, forneça educação sobre direitos humanos aos integrantes das Forças Armadas e puna criminalmente os responsáveis.
Não sendo aceito o recurso da OAB o Brasil segue em situação de permanente violação”, diz procurador.
A comissão da verdade foi aprovada no ano passado pelo Congresso e aguarda a nomeação dos integrantes pela presidenta Dilma Rousseff. No rastro da decisão nacional, a Assembleia Legislativa de São Paulo á instalou sua própria comissão e deve ser seguida por outros estados. Na semana que vem o presidente da comissão paulista, Adriano Diogo (PT), vai ao Espírito Santo para ajudar na criação da comissão capixaba. “A Alesp abriu as portas para iniciativas semelhantes em todo o Brasil. Soube que serão instaladas comissões no Rio Grande do Sul, Pernambuco e até em Bauru (interior de SP)”, disse ele.
Enquanto isso, jovens ativistas de organizações como a Consulta Popular decidiram agir por conta própria denunciando torturadores nas portas de suas casas ou locais de trabalho. As manifestações chamadas “esculachos” têm como referência a ação de jovens da Argentina e Chile, onde os crimes políticos estão sendo punidos.
Para o secretário nacional de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, dificilmente o STF mudará de opinião quanto à Lei da Anistia se não houver uma pressão popular. “Não tenho como antecipar a decisão do Supremo e sou dos que torcem para que a Lei da Anistia seja revista o quanto antes. Mas sempre entendi que a estratégia mais consciente é em longo e médio prazo para conseguir o que já conseguimos e termos um amplo debate na sociedade. O Supremo não vai decidir a frio”, avaliou Vannuchi.
Escrito por: Ricardo Galhardo, iG São Paulo