O desafio de ser mulher na África do Sul


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A voz que sobe no palco pede silêncio por alguns instantes. A pausa é para uma poesia. Recitada na maior parte em africâners, alguns versos em inglês insinuam a força das palavras – é um pedido de respeito, é uma denúncia contra os ataques aos direitos humanos. As palavras são de Janine Van Rooy, cantora da Cidade do Cabo. Pérola Negra, como é conhecida, morou nos guetos da capital durante sua infância onde vivenciou as “doenças sociais” da capital sul africana.

 Dentre os desafios que enfrentou durante sua vida, estava o peso de ser mulher em um país marcado pelo machismo. “Eu tinha doze anos quando percebi que as coisas não faziam sentido, e isso estava nos pequenos momentos do cotidiano. Na hora do lazer, por exemplo, eu era obrigada a sentir o medo dos meus pais caírem sobre mim”, relata a cantora. O medo estava em seu gênero: enquanto mulher, Janine era privada de se expressar, de estar em espaços públicos. “Quando não conseguia mais me imaginar neste mundo, comecei a escrever sobre como me sentia. Enquanto escrevia, chorava. E após chorar, me sentia mais livre”, conta.

Durante sua vida, Janine presenciou as mais diversas formas de violência contra a mulher. Para ela, o maior desafio está em combater a violência dentro dos mais variados ambientes e em todas as possibilidades de manifestação: seja física, emocional, psicológica. Junto com outras mulheres que se inserem também na luta pelos direitos das mulheres, Janine participa da publicação “Sparkling Woman”, iniciativa recente que busca possibilitar a troca de experiências nas variadas lutas feministas do país. “Todo dia é um desafio para que esta luta possa dar melhores frutos. Além dos direitos das mulheres, trabalho junto a organizações que visam educar e cuidar de pessoas que tem Aids”, diz.

Em poucas palavras, Janine mostra duas linhas doentias que se cruzam na África do Sul. O país possui altos índices de violência sexual – cerca de 150 mulheres são violadas diariamente, segundo os dados do Instituto Sul-Africano para Relações Raciais – e um dos mais altos índices de pessoas com o vírus da Aids – 17% de todas os infectados do mundo estão na África do Sul, conforme o programa das Nações Unidas para o combate da Aids, a Unaids. Janine diz que, apesar das atuais condições das mulheres e infectados pela Aids no país, espera que o ano de 2010 possa representar avanços e conquistas. Com ironia, ressalta: “é o ano da Copa do Mundo”.

As mulheres na Copa

“A Copa do Mundo de 2010 será o maior evento esportivo que a África já acolheu. A África do Sul estará no centro das atenções. Mas existem alguns obstáculos: pode isto alegrar os 5 milhões de infectados pela Aids e 1,2 milhões de órfãos por causa da pandemia deste vírus?”. Este é o alerta do South Africa Project, organização que trabalha pela igualdade de gênero, suporte a vítimas de violência sexual e portadores de Aids. Assim como foi na Copa do Mundo da Alemanha, em 2006, a proximidade do evento faz a polêmica questão da descriminalização da prostituição ser pautada no país-sede.

Com a maior parte do público masculino, a realização dos jogos da Copa do Mundo é comumente associada ao aumento do turismo sexual. Na Alemanha, quatro anos antes da realização dos jogos, a indústria do sexo foi legalizada. A África do Sul espera que ao menos 450 mil turistas visitem o país motivados pelo evento esportivo. Enquanto o evento não chega, as opiniões sobre a legalização da prostituição se enfrentam.

O ativista Tim Bannet, do World Aids Campaign, acredita que, caso o trabalho das prostitutas seja reconhecido, a taxa de transmissão de Aids poderá sofrer uma diminuição significativa. A opinião sustentada por Bannet se assemelha com a do Conselho Nacional de Aids da África do Sul (Sanac, sigla em inglês). Para o Sanac, faltam programas específicos de saúde para pessoas que trabalham com o sexo, mesmo que medidas para aplicação de tais programas sejam previstas no Plano Estratégico Nacional de Combate à Aids. A Sanac avalia que “descriminalizar a prostituição seria um passo positivo, visto que significaria que o trabalho com o sexo seria mais seguro e os turistas e clientes do sexo estariam mais protegidos”.

O contraponto às opiniões favoráveis à descriminalização é encontrado naqueles que divergem na concepção do corpo da mulher enquanto mercadoria. O temor também pesa quanto à capacidade do país fiscalizar as possíveis conseqüências da descriminalização. A Organização Internacional de Migração (IOM, sigla em inglês), por exemplo, enxerga na medida um caminho para o incentivo do tráfico de mulheres na África do Sul.

Enquanto as opiniões afloram e o debate ocorre no país-sede da Copa do Mundo, a lei da África do Sul continua intacta pelo menos até março de 2010 – e nenhuma mudança constitucional deverá ser aprovada antes de 2011. As decisões acerca do comércio do sexo só poderiam ser realizadas em casos extraordinários, como o projeto de lei que tramita na Comissão de Reforma Legislativa da África do Sul, mas as decisões – tais quais as polêmicas – sobre o tema não devem se encerrar no prazo da Copa do Mundo.

Ana Maria Amorim,

Cidade do Cabo, África do Sul

 

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