Sarkozy alheio à realidade
Gianni Carta
Em discurso, após a esmagadora derrota na eleição regional, o atual presidente da França tentou minimizar o avanço dos socialistas
Em seu primeiro pronunciamento público após a derrota eleitoral (a maior de um partido conservador para a esquerda desde 1981), Nicolas Sarkozy ganhou pouco a pouco aquela sua estatura de hiperpresidente. O discurso aconteceu no dia 24/03, três dias após sua UMP ter vencido em apenas uma das 22 regiões da França continental. Sarko preferiu falar às 11h45, e não às 20 horas, horário nobre em que geralmente os líderes se manifestam ao povo. O motivo da troca de horários? O hiperpresidente tem de agir...
Sarko lembrou, com razão, que a crise econômica, “a pior conhecida pelo mundo desde os anos 30”, atrapalhou a performance dos 20 ministros e secretários de Estado massacrados pelos rivais. Contudo, mostrou-se mal perdedor ao contornar o termo “vitória” da esquerda para focar no “elevado” nível de abstenção nos dois turnos, ambos beirando os 50%. Seu objetivo era claro: demonstrar que os franceses não se apegam às regiões, criadas em 1986. Dito de outra forma, como usar como base o resultado de um escrutínio regional com alta abstenção para o da eleição presidencial em 2012? Para contrariar Sarko, a agência de pesquisas Ipsos apurou que 58% dos franceses não querem vê-lo no próximo pleito presidencial.
Sarko parece não perceber que a abstenção foi uma maneira de os eleitores dizerem que não acreditam mais na sua política. Ele está no poder fazendo promessas há três anos. Não obstante, continuou o discurso do dia 24 num crescendo de tiques de ombros, fala cada vez mais veloz, e uma espécie de raiva passional. E bateu nas mesmas teclas que causaram sua derrocada: ele vai lutar contra a falta de segurança. De 2007 para cá, a violência aumentou nos guetos e subúrbios.
Será aprovado um projeto de lei, garantiu, para que muçulmanas não mais possam usar o véu integral. Será seu objetivo acelerar as filas nos body scanners dos aeroportos? Sarko não aceitará o “desmantelamento da política agrícola comum”. Medida para evitar que os produtos agrícolas fiquem entregues à especulação, “que fixa, de maneira errática, os preços”.
Consta que a vasta maioria dos agricultores votaram na Frente Nacional, a quarta força política do país depois dessas regionais. Esta, aliás, é outra façanha de Sarko. O presidente criou o Ministério da Identidade Nacional para lidar com quem não se conforma aos ditos valores franceses. Mas o povo decidiu que Jean-Marie le Pen, líder de extrema-direita da FN, trata desse assunto com maior autoridade.
Logo após a debacle, Sarko recebeu no palácio do Élysée o premier François Fillon, vestido com suas excêntricas meias vermelhas. Fillon goza de maior popularidade que o presidente, e portanto Sarko não poderia demiti-lo. No dia seguinte, o presidente abandonou seu projeto de implementar uma taxa sobre emissões de carbono, projeto que havia comparado à descolonização e à abolição da pena de morte. Mas agora o presidente julga esse assunto um tema a ser discutido em nível europeu. Estaria Sarko amargurado com o fato de o eleitor não ter se convencido de que a direita pode ser ecologista – vide o sucesso da Europa Ecologia, aliada dos socialistas?
Os socialistas, por sua vez, foram modestos a respeito de sua vitória sob a liderança de Martine Aubry. Disse Benoît Hamon, porta-voz do PS: “Não vamos gritar ‘Yupi, os socialistas estão de volta!’” Em um artigo publicado pelo diário Libération, Daniel Cohn-Bendit, líder da Europe Ecologia, propõe uma “cooperativa política” sem “parentescos” com um partido tradicional. “Seus contornos, estrutura e estratégia” serão definidos pelos seus integrantes. A cooperação aglutinará de comunistas a partidos de centro. Objetivo: bater a direita em 2012.
Há quem sustente que nas primárias um(a) canditato(a) único(a), oriundo(a) do PS ou da EE, deveria representar a aliança de esquerda. No entanto, não podemos esquecer que François Mitterrand foi eleito presidente em 1981 e 1988 quando as esquerdas se aliaram apenas no segundo turno. Ao mesmo tempo, existe sempre a luta de egos. Ségolène Royal, candidata presidencial em 2007, recebeu 60% dos votos na sua região de Poitou-Charentes. Assim, pode brigar nas primárias com Aubry.
O ex-secretário do PS François Hollande, ex-companheiro de Ségo, com a qual tem quatro filhos, também quer disputar as primárias. Dominique Strauss-Kahn, ex-ministro socialista de Finanças e atual chefe do FMI, é, segundo sondagens, o preferido à esquerda. E à direita o ex-premier Dominique de Villepin pretende disputar a vaga de Sarko. O páreo será duro.
Fonte: Carta Capital