Economistas americanos discordam de plano de Bush para crise financeira dos Estados Unidos


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Três renomados economistas norte-americanos - Joseph Stiglitz, Nouriel Roubini e James K. Galbraith, filho do celebrado John K. Galbraith - polemizaram com o governo Bush em torno da concepção de seu plano para o sistema financeiro. Disseram que equivale a privatizar os lucros e socializar as perdas. Propõem que se auxilie as famílias e se castigue os especuladores. A reportagem é de Tomás Lukin e publicada no jornal argentino Página 12 (01/10/2008). A tradução é do Cepat (Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores), para o IHU Online.

Recusada a mega-ajuda de 700 bilhões de dólares, os mercados estão à espera de uma alternativa. O que está em dúvida não é o que fazer, mas como fazê-lo. O secretário do Tesouro, Henry Paulson, propôs enfrentar a crise com a compra por parte do Estado de ativos "tóxicos" para recapitalizar o sistema bancário. Mas adquirir os créditos em mora ou bônus depreciados não é a única forma de fazê-lo. Os economistas dos Estados Unidos com maior acesso à opinião pública têm sua opinião sobre o assunto. Stiglitz, Roubini e Galbraith (filho) expuseram sua posição e chamaram a atenção para o fato de que não existem receitas mágicas.

Para Joseph Stiglitz, a "cura" proposta pela administração Bush transfere o risco dos ativos "tóxicos" aos contribuintes que não recebem nada em troca. O Prêmio Nobel sustenta que é necessário desenhar um plano de resgate melhor cujo objetivo não seja proteger os acionistas dos bancos nem seus credores. Para o economista, o resgate "deveria apontar para manter o fluxo do crédito, principalmente as hipotecas". O professor da Universidade de Columbia identifica quatro problemas fundamentais: os ativos ilíquidos, a subcapitalização das instituições, a continuidade da crise imobiliária e a falta de confiança e credibilidade tanto em Wall Street como no governo.

Com este diagnóstico, Stiglitz entende que o salvamento do Tesouro aponta para solucionar somente o primeiro ponto e propõe "ajudar as famílias que estão perdendo suas casas" modificando as hipotecas. Além disso, considera necessário "instrumentalizar um imposto especial para o setor financeiro que pague os resgates realizados até agora" e "criar um fundo de reserva para que os contribuintes pobres não voltem a ser chamados a financiar as idiotices de Wall Street".

Assim como o provocativo economista Nouriel Roubini, Stiglitz destaca como alternativa o modelo utilizado pelos países escandinavos no começo da década passada para resolver uma crise bancária. A desregulação financeira experimentada por Suécia, Noruega e Finlândia em mediados dos anos 80 conduziu a uma crise de créditos que se resolveu com uma receita diferente daquela proposta por Bush.

Nesses casos, os governos recapitalizaram o sistema injetando fundos públicos de diferentes maneiras, como a emissão de ações preferenciais com opções. Este tipo de ação não só reduz o risco do público, mas que "evita a difícil tarefa de avaliar milhões de complexas hipotecas e produtos em que estão metidas, e que o governo fique preso com ativos sobrevalorizados", explica Stiglitz.

Roubini, por sua vez, garante que "em qualquer crise bancária é preciso recapitalizar o sistema financeiro/bancário para evitar uma contração excessiva e destrutiva do crédito". O professor da Escola de Negócios Stern de Nova York afirma que existem planos alternativos que seriam mais eficientes e menos custosos. "Este plano significa de novo privatizar os lucros e socializar as perdas".

Para Roubini, um plano de salvamento poderia comprar os ativos ilíquidos. Dado o risco que isto supõe para o Estado, o projeto deveria assegurar que "os acionistas sejam os primeiros em assumir as possíveis perdas". Para conseguir esse resguardo, o economista propõe que se suspenda o pagamento de dividendos e se aumentem os requerimentos de capital dos bancos.

Mas fundamentalmente, Roubini entende que o plano deveria contemplar a redução da carga da dívida das famílias mediante a criação de uma entidade estatal que absorva e referencie grande parte da dívida "ruim". O economista James K. Galbraith também sustenta a necessidade de impulsionar um banco deste tipo.

Durante a Grande Depressão, em junho de 1933, o governo de Franklin D. Roosevelt criou uma entidade que se chamou Corporação de Empréstimos para Proprietários de Imóveis (HOLC, Home Owners Loan Corporation). Diante da execução em massa de moradias, esta instituição "ajudou a substituir as hipotecas que estavam à beira do colapso por outras que as famílias poderiam pagar", explica Alan Blinder, ex-vice-presidente do Federal Reserve. Segundo Blinder, aproximadamente, uma de cada cinco hipotecas norte-americanas passou para as mãos da HOLC, algo como 750 bilhões de dólares, em dinheiro de hoje.

De todas as maneiras, 20% dos credores faliram e a corporação acabou sendo proprietária de 200 mil casas que foram sendo vendidas. A instituição fechou em 1951 e terminou apresentando um pequeno lucro para o Governo Federal. Blinder calcula que atualmente a Corporação deveria emprestar entre 200 bilhões e 400 bilhões de dólares e estima que daria lucros de entre 4 bilhões e 8 bilhões de dólares por ano. A HOLC, advertem alguns de seus criadores, deveria refinanciar apenas os proprietários que moram em suas casas, deixando fora os especuladores e donos com mais de uma casa.

Galbraith, por sua vez, coloca em questão diretamente a necessidade de um resgate "quando os cinco grandes bancos de investimento quebraram ou se converteram em bancos comerciais". O filho do multifacético economista John K. Galbraith propõe investigar a situação de solvência dos bancos e injetar meio trilhão de dólares na Corporação Federal de Seguro de Depósitos (FDIC).

Além disso, postula que o governo deveria ter 200 bilhões disponíveis para recapitalizar os bancos mediante a compra de ações preferenciais, caso fosse necessário. Para o economista, os fundos hedge (fundos de risco) "deveriam ser deixados à sua própria sorte, não se pode salvar a todos e esses investidores não são pobres".

Nenhum destes especialistas considera que suas propostas vão pôr um fim à crise, mas entendem que desta forma se pode começar a enfrentá-la e reverter as expectativas. Outras medidas que estimam fundamentais para prevenir futuras crises são a realização de uma profunda reforma do sistema regulatório e de supervisão dos bancos e das instituições financeiras, já que a rede de segurança existente atualmente só abarca os bancos comerciais.

Fonte: www.cartamaior.com – 03/10/2008

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