Imprensa encobre corrupção do governo tucano no Rio Grande do Sul
As informações a que a população do país vem tendo acesso sobre a crise político-institucional no RS não refletem um décimo da realidade política gaúcha neste momento, marcada por contornos surreais. Algumas atitudes de integrantes do núcleo do governo Yeda Crusius (PSDB) nos últimos dias lembram aquelas adotadas pela aristocracia francesa às vésperas da revolução de 1789. (Marco Aurélio Weissheimer)
PORTO ALEGRE - O Jornal do Brasil dedicou uma pequena nota, em sua edição dominical (08/06/2008), à crise no Estado do Rio Grande do Sul e às denúncias de corrupção envolvendo o governo Yeda Crusius (PSDB). O título da matéria é o seguinte: “Corrupção abala governo do PT”. Acredite se quiser...
O erro grosseiro do JB serve como uma caricatura do comportamento da mídia do Rio e de São Paulo em relação ao que vem acontecendo no Rio Grande do Sul. Somente nos últimos dias, a partir do episódio da gravação da conversa entre o vice-governador Paulo Feijó (DEM) e o chefe da Casa Civil do governo Yeda, Cézar Busatto (PPS), é que o assunto ganhou algum destaque no noticiário.
O pano de fundo desses acontecimentos que atingiram em cheio uma das vitrines do PSDB em nível nacional é o desvio de mais de R$ 40 milhões do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Desvio este, segundo a Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal, comandando por uma quadrilha que tem entre seus integrantes políticos do PP, PMDB e PSDB. Entre eles, um dos coordenadores da campanha eleitoral de Yeda Crusius em 2006, o empresário e lobista tucano Lair Ferst.
As informações a que a população do país vem tendo acesso sobre a crise político-institucional no RS não refletem um décimo da realidade política gaúcha neste momento, marcada por contornos surreais. Algumas explicações e atitudes de integrantes do núcleo do governo Yeda Crusius (PSDB) nos últimos dias lembram aquelas adotadas pela aristocracia francesa às vésperas da revolução.
As afirmações e atitudes mais absurdas, considerando a crise institucional que vive o Estado, são apresentadas com o máximo de naturalidade, como se ninguém percebesse que há algo de podre no reino do novo jeito de governar. Uma das mais eloqüentes foi revelada pelo ex-chefe da Casa Civil, Cézar Busatto.
No sábado à noite, horas depois de ter sido confirmada sua demissão, Busatto foi à casa da governadora para comunicar que tinha decidido depor na CPI do Detran nesta segunda-feira para explicar o conteúdo de sua conversa com Paulo Feijó. Segundo ele, Yeda aprovou a decisão e, juntos, tomaram um champanhe para comemorar. Após beber champanhe com Busatto, Yeda recebeu o ex-governador Antônio Britto para "se aconselhar".
A governadora, por sua vez, gravou um depoimento exibido em horário pago, sábado à noite, reclamando que seu governo está sendo vítima de ataques desleais. Na tarde do mesmo dia, durante entrevista coletiva, Yeda afirmou que seu governo “só tem notícias positivas do ponto de vista da qualidade da administração”.
As confissões de Cézar Busatto
No dia 26 de maio, Cézar Busatto (PPS), foi conversar com o vice-governador Paulo Feijó (DEM). O objetivo da conversa: tentar convencer Feijó a parar com as denúncias sobre irregularidades no Banrisul. Busatto tenta comprar a posição de Feijó:
"...Se pudéssemos encontrar um modus vivendi que nos permitisse tu não romper com tuas convicções....para tu estar dizendo pra ti mesmo, pra tua consciência...qual é o custo disso? Eu não sei, de repente o Fernando (o presidente do Banrisul chama-se Fernando Lemos) faz um gesto concreto pra ti, não quero pensar alto porque isso não tá no horizonte...uma coisa concreta que pudesse permitir ou outra coisa, quem sabe?
Além de fazer essa oferta, Busatto, didaticamente explica a Feijó que o Banrisul é fonte de financiamento das campanhas do PMDB e o Detran e o Daer do PP. O vice-governador gravou a conversa e decidiu encaminha-la à CPI do Detran, ao Ministério Público e à Polícia Federal. O áudio da mesma foi exibido na sexta-feira, na Assembléia Legislativa, desencadeando uma crise institucional no Estado que já provocou a demissão do chefe da Casa Civil, do secretário-geral de governo, Delson Martini e do “embaixador” (como a governadora gosta de chamar”) do RS em Brasília, Marcelo Cavalcante (que recebeu uma carta do lobista tucano Lair Ferst, dirigida à governadora, com denúncias sobre a fraude que estaria em curso no Detran e em outros órgãos públicos).
Ainda na sexta-feira, Busatto atacou o vice-governador chamando-o de “canalha” por ter gravado a conversa e tentou se defender dizendo que suas palavras tinham sido “mal-interpretadas” e que havia cometido “imprecisões de linguagem”. As desculpas não foram suficientes para mantê-lo no cargo e abriram uma nova frente de crise entre o governo e os partidos aliados (PP e PMDB) citados na conversa como beneficiários de um esquema de apropriação de recursos públicos para campanhas eleitorais. A governadora refugiou-se no Palácio Piratini na sexta-feira e só foi conversar com a imprensa no sábado à tarde, numa entrevista coletiva.
As explicações de Yeda
- Ele era captador de recursos de sua campanha?
A pergunta do jornalista sobre a atuação de Lair Ferst na campanha eleitoral de 2006 ficou sem resposta. Yeda Crusius ouviu a indagação, silenciou e se retirou do salão onde ocorria a entrevista coletiva, acompanhada de seu porta-voz, Paulo Fona. Os jornalistas tentaram se aproximar da governadora. Não conseguiram. Foram colocados numa posição distante da mesma, separados por um cordão de segurança. Na entrevista, realizada na tarde deste sábado, no Palácio Piratini, a governadora anunciou as demissões do chefe da Casa Civil, Cézar Busatto, do secretário-geral de governo, Delson Martini, do “embaixador” do Rio Grande do Sul em Brasília, Marcelo Cavalcante, e do comandante geral da Brigada Militar, coronel Nilton Bueno.
Yeda manifestou indignação com o comportamento do vice-governador Paulo Feijó e disse que a “fala gravada não tem valor ético ou moral”. Yeda classificou como absurdo o conteúdo da carta escrita para ela por Lair Ferst e encaminhada pelo mesmo a Marcelo Cavalcante. “Marcelo fez o que devia ter feito”, disse categoricamente, sem explicar, porém, por que é mesmo que o “embaixador” gaúcho foi demitido.
A governadora tampouco explicou as razões das demissões de Busatto, Martini e Nilton Bueno. Se todos “fizeram o que devia ser feito” e a gravação da conversa de Feijó e Busatto não tem valor ético ou moral, por que é mesmo que as demissões ocorreram? Yeda iniciou a coletiva lendo, em um papel, os pontos que devia abordar. Estava distante, procurando aparentar tranqüilidade em meio à grave crise política e institucional que se abateu sobre o Palácio Piratini. Anunciou as demissões e defendeu o seu governo, afirmando que “as notícias são as mais positivas possíveis no campo da administração”. “Consultei muita gente, meu Conselho Político; por isso tanta tranqüilidade para enfrentar a crise”. Mas, “tranqüilidade” não é exatamente a palavra para definir o comportamento de Yeda na coletiva. Como já fez em ocasiões anteriores, repetiu afirmações confusas e sem sentido.
Indagada sobre se Marcelo Cavalcante teria prevaricado ao, supostamente, não comunicar a ela o teor da carta de Lair Ferst, Yeda respondeu: “Fui criada como mulher. Esse termo ‘prevaricar’ é complicado”. Sobre a saída de Busatto, defendeu o comportamento do mesmo: “Todos conhecem Busatto. É um homem espiritualista. Ele foi em missão de paz”. Segundo ela, o agora ex-chefe da Casa Civil não a avisou que iria conversar com Feijó. A governadora disse ainda que tem “dormido muito bem, com a consciência alertada” (traduzindo: se está com a consciência alertada o tempo todo, não tem dormido).
Uma outra resposta insólita apareceu por ocasião de uma pergunta relacionada à conversa entre o ex-diretor da CEEE, Antônio Dorneu Maciel, e o ex-presidente do Detran, Flávio Vaz Netto, sobre uma ida a Expointer para pedir a orientação da governadora sobre o que fazer com “o problema Lair Ferst". Yeda desconversou e disse que ele (Vaz Netto) não precisava ir a Expointer para conversar com ela. E logo em seguida, emendou: “Ele teve a oportunidade de ir a Expointer e ver uma das melhores feiras que temos”. (???)
Yeda também lançou um desafio na coletiva: “Me mostrem que o povo gaúcho não confia no meu governo. E não joguem no meu colo um filho que não é meu”. Um desafio de alto risco para a governadora a julgar pelas mais recentes pesquisas de opinião que indicam um alto grau de desaprovação. Outra afirmação arriscada foi feita no que diz respeito às contas de sua campanha eleitoral. Yeda disse que não entrou nenhum recurso de empresas públicas ou qualquer recurso ilícito em sua campanha. “Todos sabem que não foi uma campanha bilionária. O que está na nossa prestação de contas é o que foi financiado”.
Perguntada sobre sua relação com Lair Ferst, voltou a dizer que é uma relação de militância política no PSDB. “A proximidade que a gente tem é muito natural; o amor que a gente tem com a Deise (Deise Nunes, ex-miss Brasil, esposa de Lair). Segundo ela, ele foi apenas mais um militante na campanha. “Esteve perto, segurou bandeira”. Yeda, porém, não segurou a pergunta sobre a participação do empresário-militante na captação de recursos. A coletiva terminou ali. Sem resposta.
Fonte: www.cartamaior.com.br – 09/06/2008