Desmatamento da Amazônia cresce e o Governo Lula cede ao agronegócio
RIO DE JANEIRO – Divulgados na segunda-feira (2) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os números do desmatamento da Amazônia relativos a abril prometem endurecer a disputa entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e setores do agronegócio em torno das políticas governamentais de sanção econômica aos proprietários rurais provocadores da devastação. Segundo o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), baseado em informações passadas por satélites, foram desmatados em abril pelo menos 1.123 quilômetros quadrados de floresta, número assustadoramente maior do que o registrado em março (145 quilômetros quadrados) e que comprova a aceleração do ritmo da destruição que vinha sendo reduzido nos últimos três anos.
A devastação na Amazônia é provavelmente ainda maior do que o detectado pelos satélites do Inpe, já que 53% da área de floresta permaneceu encoberta por nuvens durante o mês de abril. O que se sabe com certeza é que o estado do Mato Grosso é mais uma vez o campeão do desmatamento, com 794 quilômetros quadrados de floresta derrubada em abril, o equivalente a 70,8% do total detectado no período. O governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, pertence à família que mais planta soja no mundo e é hoje o maior líder político do agronegócio brasileiro. Como tal, Maggi é ferrenho opositor das medidas estipuladas pelo governo federal para conter o desmatamento em seu estado, tendo promovido embates políticos públicos com a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e com o atual ministro, Carlos Minc.
O números divulgados esta semana pelo Inpe mostram que o aumento do desmatamento é uma tendência consolidada. Nos doze meses compreendidos entre agosto de 2006 e julho de 2007 foram desmatados 4.974 quilômetros quadrados de floresta, enquanto que, de agosto do ano passado até abril deste ano, já foram derrubados 5.850 quilômetros quadrados. Até o fim do julho, quando termina o período de medição anual trabalhado pelo Inpe, a tendência é que o ritmo do desmatamento aumente ainda mais, pois será o período da estiagem: “A coisa pode ser muito pior do que parece. Ainda faltam os meses brabos”, admite o ministro Minc.
Os dados relativos ao desmatamento de abril já estavam disponíveis há algum tempo, mas sua divulgação foi retardada por conta da mudança no comando do MMA. Antes mesmo do anúncio, no entanto, os números já eram questionados publicamente por Maggi, pois seu governo garante que o desmatamento no estado vem caindo nos últimos cinco anos: “Há dois anos, a média de desmatamento de Mato Grosso está abaixo de três mil quilômetros quadrados. É um momento histórico, no qual deveríamos ser premiados, mas estamos sendo punidos”, disse.
Desde que a retomada de um ritmo acelerado de desmatamento na Amazônia foi percebida, no fim do ano passado, Maggi lidera os esforços para conter as medidas anunciadas pelo governo federal para reverter a situação. A principal delas é o corte, determinado por uma resolução do Banco Central, do acesso às linhas de crédito e financiamento público para os proprietários rurais que promovem o desmatamento. Anunciada em março pelo MMA, a medida atinge 67 municípios em Mato Grosso: “Essa resolução vai acabar com a atividade econômica em muitas cidades mato-grossenses e provocar muito desemprego”, queixou-se o governador, quando soube da novidade.
Pressão surte efeito
A pressão de Maggi teve dois efeitos imediatos. O primeiro foi fazer com que dez mil grandes proprietários rurais de Mato Grosso simplesmente ignorassem o recadastramento promovido pelo Incra com o objetivo de determinar quem está atuando legalmente do ponto de vista ambiental. A postura do governador foi criticada pela ex-ministra Marina Silva: “Em vez de implementar as medidas, o governo do Mato Grosso passou a contestar os dados de crescimento do desmatamento. Os dados do ano passado já acederam a luz vermelha no governo federal, mas Maggi teve uma postura reativa e criou um clima de desobediência civil que acabou levando a um aumento ainda maior do desmatamento”.
O segundo efeito da pressão liderada por Maggi, com o auxílio dos cerca de 300 deputados que compõem a bancada ruralista na Câmara, teve sabor de vitória política. Num recuo anunciado durante uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os governadores dos estados da Amazônia Legal, o governo federal resolveu “adaptar” a resolução do Banco Central, tornando passíveis de sanções econômicas apenas as propriedades localizadas dentro do bioma amazônico, e não mais aquelas localizadas no Pantanal ou no Cerrado: “Essa flexibilização beneficia 70% dos municípios de Mato Grosso”, comemorou Maggi.
Numa outra medida que agradou a setores ligados ao agronegócio, o ministro Carlos Minc anunciou aos governadores dos estados amazônicos que o governo vai destinar R$ 1 bilhão de reais para a recomposição de áreas degradadas de floresta. Incluída na Medida Provisória 432, que trata da dívida agrícola, essa medida vai beneficiar economicamente quem já desmatou, mas é encarada como única saída viável pelo governo: “Vamos dar meios a todos aqueles que queiram se regularizar e recompor as áreas de reserva legal. A regularização será coletiva, e o MMA vai dar 30% dos recursos para acelerar, numa força-tarefa, a regularização ambiental daqueles que queiram realmente se regularizar”, disse Minc.
Poder aos estados
O ministro anunciou também, nesta terça-feira (3), que o poder de determinar quais propriedades rurais ficarão impedidas de aceder aos financiamentos públicos caberá a cada governo estadual da Amazônia Legal. A descentralização já era prevista há algum tempo pelo governo federal, mas Minc admitiu que esse sistema é vulnerável a fraudes: “Sim, pode haver fraude. Um secretário ou um governador contrário à resolução, ou um produtor que oferece cem mil reais para dizerem que sua propriedade está fora do bioma amazônico. Mas, isso é falsidade ideológica e, se flagrado, implicará em prisão. Quem estiver errado, vai responder por crime ambiental”.
O Ibama, segundo o ministro, fará um controle do trabalho de regularização implementado pelos governos estaduais, mas ele se dará por amostragem, de acordo com as possibilidades atuais do instituto: “Imagina se eu colocasse os 400 homens que o Ibama tem para cuidar da Amazônia atrás de uma mesa para receber sete mil produtores e dizer se eles estão ou não dentro do bioma? O Ibama já não tem meios de pegar os grandes madeireiros e criar as grandes reservas...”, lamentou Minc.
Fonte: www.cartamaior.com.br – 04/06/2008