Para dizer que não falei dos jovens


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São pouquíssimos os jovens que participam da construção real e midiática dos escândalos nacionais. Os personagens das ‘novelas’ do poder são, na maioria dos casos, mais velhos. Como é difícil suportar a atuação desses canastrões.

No noticiário das últimas semanas, os jovens brasileiros refulgiram nas mídias das mais diferentes formas, portando ou não bandeiras e dizendo a que vieram. Eles são, apenas, jovens. Representam um ensaio do que virá a seguir. São a esperança de um país do futuro – por quanto tempo, teremos que esperá-lo? – menos cínico e mais capaz de resolver seus problemas.

Caso contrário, significam a derrota, a destruição de qualquer expectativa ou possibilidade. Suas ações apontam em todas as direções, positivas e negativas. Não é possível saber o que virá, isto porque o futuro escapa aos desejos dos mais velhos. Será construído pelas novas gerações para o bem e para o mal. Não adianta fazer a hora, se o relógio está atrasado e a pilha está para acabar. Talvez, seja melhor reconstruir o relógio, reorientando o tempo e a vida.

Alguns destes jovens são sem nome, sem lenço ou documento conhecido. Outros, com nomes claramente estampados na imprensa, já gravaram prematuramente uma triste memória. Os primeiros mostraram livros como armas, lembrando as flores de uma época que não haviam nascido. Os segundos tentaram queimar estudantes vindos da mãe África, espancaram e ridicularizaram os diferentes, porque se sentem donos do mundo e não conseguem conviver com os subprodutos da riqueza que ostentam.

Ainda existem os que morrem diariamente, quase todos negros ou quase negros, nos terríveis confrontos que se dizem pacificadores e restauradores da ordem. A pax militar é bem conhecida, em inúmeros casos, nada mais foi do que o epitáfio de muitos, sem que nada tenha sido resolvido. Como se sabe, esta paz é também operada por jovens que acabam se sacrificando de todos os lados do conflito.

São pouquíssimos os jovens que participam da construção real e midiática dos escândalos nacionais. Eles estão do outro lado das telas e na posição de leitores dos jornais e revistas que se retroalimentam da mesma sucessão de descobertas daquilo que não foi construído para ser midiatizado.

Os personagens das ‘novelas’ do poder são, na maioria dos casos, mais velhos, que já esqueceram que um dia foram jovens e talvez tenham tido alguma esperança e generosidade. É difícil suportar suas atuações. São canastrões. Pouco sabem da arte de representação, possivelmente, estejam apenas imitando, e mal, as telenovelas de sucesso e os big brothers da vida. Seguem a novela sem fim do poder, das razões de Estado e, sobretudo, das que lhe concernem nas suas vidas privadas. Não têm bandeiras ideológicas – isto caiu de moda. Entretanto, para eles nada é mais importante do que arrotam e tentam parecer ser.

Manifestantes contrários ao fechamento da tele-emissora venezuelana portavam, recentemente, os seus motivos. Segundo eles, “a vida é uma novela”. Não estavam completamente errados. A diferença entre a vida e a novela é que na primeira o bem facilmente é vencido pelo mal. A mentira e a manipulação nem sempre são descobertas. Os vilões atravessam o tempo: vivos e impunes. Não há casamento que dê jeito em problemas entre as pessoas, isto é, o altar (onde acabam muitas telenovelas) não é capaz de mudar o mundo.

Nas novelas, sabemos quase tudo sobre o decorrer e o possível final, a partir do início da trama. Elas são, com saudáveis exceções, artefatos conhecidos, similares e produzidos em série. Por mais que existam semelhanças, a riqueza da vida concreta se impõe frente à ficção, mesmo que queiram nos convencer que é tudo a mesma coisa.

Os jovens são os principais atores das telenovelas e dos dramas da vida real. Em poucos casos, não é assim. Neste sentido, a responsabilidade dos jovens é muito grande. Caem sobre eles os fardos da geração anterior. Têm que encontrar soluções, respostas que, quase sempre, não estão escritas em lugar nenhum e que ninguém jamais encontrou.

Pesam sobre eles as necessidades de serem originais, criativos etc. Nem sempre eles aceitam esta missão e, com razão, reclamam de quem lhes antecedeu. Em outros casos, aderem a fórmulas prontas, catárticas e sem qualquer reflexão de pertinência. Vivem um dilema, andando no fio da espada. O final da vida concreta é difícil de prever. Por isto as novelas fogem da vida efetiva como o diabo foge da cruz.

Luís Carlos Lopes, professor do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminese (UFF)

Fonte: www.cartamaior.com.br – 05/07/2007

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