Chávez faz marcação cerrada sobre Bush e ganha pontos


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O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, não deu descanso ao presidente dos EUA, George W. Bush, durante o giro deste pela América Latina. Enquanto Bush era alvo de protestos por onde passava, Chávez reuniu milhares de pessoas na Argentina e na Bolívia. O líder venezuelano chamou Bush de "cadáver político" e anunciou ajuda a Bolívia dez vezes superior a oferecida pelos EUA. (Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior)

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, negou que ele e o presidente argentino, Nestor Kirchner, tenham articulado um plano para “sabotar” a missão do presidente norte-americano, George W. Bush, pela América Latina. Em tom sarcástico, Chávez disse, em Buenos Aires, que isso não seria necessário em função do fato de Bush ter se tornado um “cadáver político”. “Ele nem sequer cheira mais a enxofre, mas exala o odor dos mortos políticos e, dentro de pouco tempo, se converterá em pó cósmico”.

Planos de sabotagem à parte, o fato é que Chávez exerceu uma marcação cerrada sobre Bush durante sua visita à América Latina. E colheu alguns bons frutos com essa tática: enquanto Bush era alvo de protestos de rua por onde passava, Chávez reuniu milhares de pessoas em atos públicos na Argentina e na Bolívia e ainda anunciou uma ajuda para este último país dez vezes superior à anunciada por Bush.

Ao referir-se à viagem de Bush a vários países da América Latina, o presidente venezuelano disse que o líder da Casa Branca tentou uma “vulgar reciclagem da Aliança para o Progresso”, proposta por John Kennedy, nos anos 60. Chávez fez essas declarações, sexta-feira, durante um ato que reuniu cerca de 40 mil pessoas no estádio do Ferrocarril Oeste, em Buenos Aires.

América do Sul para os sul-americanos
Chávez também se referiu à doutrina Monroe, que defendia uma “América para os americanos”, sugerindo uma atualização: “América do Norte para os norte-americanos e América do Sul para os sul-americanos”. Quanto à Aliança para o Progresso, observou que ela não concretizou nenhuma aliança e muito menos progresso. Essa proposta, comentou, “tratava de tentar deter o avanço das idéias revolucionárias que haviam obtido extraordinários resultados em Cuba desde 1959 e mesmo antes”. O que os EUA, queriam, acrescentou, era isolar Cuba. “Começaram o bloqueio a Cuba e Kennedy autorizou a invasão da baía dos Porcos” (que acabou sendo rechaçada pelo exército cubano). Além da ofensiva contra Cuba, Chávez lembrou as intervenções dos EUA na República Dominicana, no Haiti e no Brasil, contra o governo de João Goulart. Que progresso é este? – perguntou.

Chávez também ironizou a soma de 75 milhões de dólares, oferecida por Bush para iniciar um plano de justiça social. Classificou-a como “irrisória” e lembrou que o gasto militar dos EUA em 2006 atingiu a casa dos 600 bilhões de dólares. Chávez desafiou Bush a demonstrar com fatos que realmente deseja a justiça social. “Se você quer que haja justiça social no mundo, demonstre isso. Não diga apenas, mas faça. Ordene imediatamente a retirada das tropas do Iraque e destine o gigantesco orçamento militar dos EUA para a luta contra a fome e a morte”. E comentou a comparação feita por Bush entre George Washington e Simón Bolívar. “O imperialismo teve o atrevimento de comparar Bolívar com Washington. Bush disse que é preciso completar a revolução iniciada por Washington e Bolívar. Haja tamanha heresia e ignorância. É preciso recordar o quão diferentes foram Washington e Bolívar”.

Comentário diplomático sobre Brasil
Quando fez referência ao encontro de Bush com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, Chávez adotou um tom diplomático. “Tenho certeza de que nossos amigos do Brasil e também do Uruguai não vão ser afetados porque convidaram este cavalheirinho do Norte. Em tom de brincadeira, Chávez relatou que disse ao presidente Lula que ele deveria “tomar cuidado”, não com Bush, mas com a equipe venezuelana de futebol que estaria melhorando a ponto de ameaçar a seleção brasileira. Outros participantes do ato na Argentina foram menos diplomáticos. Foi o caso, por exemplo, do deputado Miguel Bonasso, da base de apoio do governo Kirchner, que lamentou que Bush tenha sido recebido pelo governo brasileiro. Mas a crítica parou por aí. Logo em seguida, Bonasso acrescentou: “o concreto mesmo é que o Brasil defendeu o Mercosul e é essa integração latina que vale a pena”.

Um dia após o ato na Argentina, Chávez seguiu para a Bolívia, onde reforçou suas críticas ao governo Bush, estendendo-as ao sistema capitalista mundial. “Os que querem ir direto para o inferno podem seguir o capitalista”, afirmou durante um comício na cidade de Trinidad. “Os de nós que querem construir o paraíso na Terra devem seguir o socialismo”, acrescentou. Na Bolívia, Chávez prometeu destinar mais de US$ 1 bilhão para investimentos em projetos petrolíferos e para a construção de rádios comunitárias naquele país.

Ao todo, a ajuda dada pela Venezuela à Bolívia, que sofreu sérios estragos com as enchentes das últimas semanas, chega a R$ 15 bilhões. Esse valor é dez vezes maior do que a ajuda destinada pelos EUA. Por onde passa, Chávez enfatiza a diferença das relações que EUA e Venezuela mantém atualmente com os países da região. O presidente venezuelano decidiu visitar países que não foram incluídos na agenda de Bush e tornou-se uma sombra à missão do presidente dos EUA.

Marcação homem a homem
Bush esteve no Brasil, seguiu para o Uruguai, depois para a Colômbia, encerrando sua viagem com escalas na Guatemala e no México. Depois de passar por Argentina e Bolívia, Chávez seguiu para a Nicarágua, realizando uma espécie de marcação homem a homem.Não há país onde Bush chegue neste giro que Chávez não esteja num país ao lado, criticando a política imperialista do governo norte-americano.

Enquanto Bush, por onde passava, era alvo de ruidosos protestos de rua, Chávez reunia milhares de apoiadores em atos públicos. O presidente dos EUA pretendeu evitar referências diretas a Chávez em sua viagem. Já o líder venezuelano atacou diretamente Bush por onde passou. A rede britânica BBC avaliou que Chávez ofuscou a repercussão da viagem de Bush por cinco países da América Latina.

Imagem dos EUA em queda livre
Uma pesquisa encomendada pela BBC, divulgada na semana passada, antes da viagem de Bush à região, mostrou que os brasileiros têm uma imagem mais negativa dos EUA do que da Venezuela. Segundo a pesquisa, quase três em cada cinco brasileiros (57%), entrevistados em oito cidades, disseram ter uma visão negativa do país liderado por Bush, contra dois em cada cinco (41%), que disseram ter a mesma percepção em relação a Venezuela. A pesquisa indicou, por outro lado, que a viagem de Bush poderia resultar em uma melhor receptividade de muitos outros brasileiros que têm uma visão positiva dos EUA. No entanto, o que se viu nas ruas de São Paulo não indicou, exatamente, uma melhora da imagem de Bush. O forte aparato de segurança montado nas ruas da capital paulista prejudicou o cotidiano de milhares de pessoas que consideraram um exagero o teatro de guerra montado na cidade.

Douglas Miller, presidente da empresa que fez a pesquisa para a BBC, disse que a reputação dos EUA se corroeu significativamente nos últimos dois anos, chegando a um ponto em que será difícil para o governo deste país convencer as pessoas de que sua visão de mundo é boa. Junto com o Chile, afirmou a pesquisa, o Brasil está entre os países latino-americanos pesquisados em que os EUA tiveram o seu melhor índice de avaliação positiva, e esse índice chegou apenas a 32%. No México, os EUA são bem vistos por apenas 12% da população. Já na Argentina, duas em cada três pessoas (64%) vêem os EUA negativamente. “É uma situação desafiadora para Washington”, resumiu Douglas Miller. Nos 27 países pesquisados pela empresa GlobeScan, a avaliação positiva dos EUA ficou em apenas 30%, enquanto a negativa bateu 51%, um percentual superado apenas por Irã (54%) e Israel (56%).

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