Governo precisa destravar processo de reforma agrária


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Orçamento-2007 da reforma agrária é quase igual ao de 2006. Para que programa avance, porém, o governo teria que “destravar” o processo de aquisição de terra com medidas políticas, defendem analistas. (Verena Glass - Carta Maior)

SÃO PAULO – Prestes a ser sancionada pelo presidente da República, a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2007 não traz grandes novidades no tocante ao volume de recursos destinado à reforma agrária, se comparada com 2006. Com um aumento de R$ 22,2 milhões (0,6%), passou de R$ 4,012 bilhões (LOA 2006) para R$ 4,034 bilhões (LOA 2007).

Apesar de importantes como referência, estes números não retratam a dotação real do Incra (órgão responsável pela reforma agrária) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), alerta Marcelo Cardona, secretário executivo da pasta. Por ser apenas autorizativo – define o quanto o governo pode gastar -, o orçamento, ou melhor, a sua execução, se adequa às condições macro-econômicas do país, que muitas vezes determinam cortes (contingenciamentos) imprevistos.

Neste sentido, segundo Cardona, em 2006 o MDA sofreu um contingenciamento de 90,3 milhões. Por outro lado, com suplementações em vários programas, o montante disponível para programas da reforma agrária foi de R$ 4,08 bilhões, dos quais 3,9 bilhões foram executados.

Por outro lado, uma análise comparativa mais minuciosa da dotação para as várias ações do Incra, elaborada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), dá algumas dicas sobre o que se pode esperar da priorização política dos diversos elementos deste quebra-cabeça. No programa Assentamentos Sustentáveis para Trabalhadores Rurais, por exemplo, que teve um aumento de 8,2%, a concessão de crédito-instalação para famílias assentadas (construção de casas e benfeitorias) teve um aumento de 18,7%; a obtenção de imóveis rurais para reforma agrária (arrecadação de terras) terá disponíveis R$ 937,8 milhões, 0,6% mais do que em 2006. Já a assistência técnica e a capacitação de assentados perde R$ 1,1 milhão dos 42,1 milhões do ano passado, ou 2,6%.

Outros exemplos: os programas Desenvolvimento sustentável de territórios rurais, e Desenvolvimento sustentável na reforma agrária, perdem recursos – o primeiro, R$ 82,3 milhões dos 188,9 mi anteriores (43,6%), e o segundo, R$ 45,3 milhões dos 523,8 mi (8,7%). O programa Paz no Campo sobe de R$ 4,2 milhões para 5,3 milhões, um ganho de 26,4% (internamente, porém, existem discrepâncias como a diminuição de 88,8% das verbas para a mediação de conflitos, ação que terá disponível apenas 40 mil reais em 2007 se não houver suplementação). E o programa Educação no Campo (Pronera) teve um aumento de 10%.

O cientista político Edélcio Vigna, assessor de Políticas de Segurança Alimentar do INESC e responsável pela análise, se diz preocupado com estas oscilações. Segundo ele, a perda de recursos em ações importantes pode ser bastante prejudicial para o programa de reforma agrária como um todo, já que a diminuição das verbas não tem relação direta com o saneamento de problemas.

Segundo Cardona, as mudanças em valores do orçamento realmente têm várias razões. Em alguns programas se investe mais em um ano e menos no próximo, por exemplo, pondera. Também fatores extraordinários, como a realização da Conferência Internacional sobre Reforma Agrária da ONU, em março de 2006, estiveram no orçamento e não se repetirão em 2007. Ou então, justifica, serão buscadas alternativas não orçamentárias ou financeiras para atender determinadas demandas.

Entraves
Membro da equipe de articuladores do programa de governo do PT em 2002, o agrônomo Gerson Teixeira, ex-presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária (ABRA), ex-coordenador da Secretaria Agrária do PT e atual diretor econômico da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente (MMA), avalia que, mais do que recursos financeiros – que até que têm aumentado substancialmente no governo Lula -, falta à reforma agrária uma política de Estado mais efetiva.

Uma série de entraves, que vão, segundo ele, da falta de homogeneidade da política administrativa e técnica das várias superintendências do Incra nos estados, lentidão nos processos de criação dos assentamentos, o alto custo dos procedimentos, etc, às pressões políticas do agronegócio e a deliberada oposição de parte do judiciário, que alimenta a indústria das liminares contra os procedimentos de aquisição de terras, precisariam ser enfrentados com mais firmeza.

“Quando litigiosos, dificilmente os processos de obtenção por desapropriação conseguem chegar ao final mesmo da fase administrativa. E, se remotamente vencem esse desafio, inevitavelmente são sobrestados no Poder Judiciário. A legislação do Rito Sumário do processo desapropriatório, por exemplo, vem sendo ostensivamente ‘revogada’ por juízes federais nos Estados nos quais são intentadas ações de desapropriação. Há casos nos quais juizes, em franca hostilização à lei, procrastinam em até 1 ano a imissão na posse dos imóveis pelo Incra”, avalia Teixeira.

A dificuldade de obter terras tem levado o Incra a priorizar assentamentos em áreas públicas – 60% deles estão nesta situação, 30% em áreas desapropriadas e 10% em áreas compradas, de acordo com o MDA -, o que têm alimentado a crítica dos movimentos sociais de que este tipo de reforma agrária não modifica a estrutura fundiária do país ao não tocar no problema dos latifúndios, nem soluciona o problema de falta de terras em áreas densamente ocupadas, como as regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste.

Neste aspecto, Edélcio Vigna e Gerson Teixeira fazem coro com o MST ao considerarem que, em última instância, os beneficiados com a reforma agrária, em grande medida, são os capitalistas do campo. Principalmente porque são eles que recebem uma gorda fatia dos recursos do programa de obtenção de terras. “Comparando-se o período de 2003 a 2005 com os três últimos anos do governo FHC, constatamos que os gastos com obtenção de terras cresceram 254%, enquanto a quantidade de terras obtidas declinou 114 mil hectares”, exemplifica Teixeira.

Segundo Vigna, seria fundamental que o governo incluísse a reforma agrária no pacote de crescimento e desenvolvimento do país que vem sendo elaborado – e alardeado – pelo Executivo, se o seu objetivo for avançar na distribuição de renda e na justiça social. Para isso, e para enfrentar a frente de oposição à reforma agrária, constituída, segundo ele, pelas elites fundiária, financeira e jurídica, seria preciso que o governo adotasse medidas políticas mais corajosas. Ou, como defende Teixeira, um Pacote da Reforma Agrária.

Deste pacote, defendem Vigna e Teixeira, fariam parte a exigência, como reza a Constituição, do cumprimento da função social da propriedade rural – ser produtiva e respeitar a legislação ambiental e trabalhista -, já que até hoje só se desapropriou terra em função da produtividade; a atualização dos índices de produtividade, que aguardam a sanção do presidente; a limitação do tamanho da propriedade no Brasil; a definição das possibilidades de recursos administrativos e judiciais, incluindo a fixação de prazos sumários; e racionalizar e fixar prazos sumários (compatíveis) aos procedimentos do Incra anteriores e posteriores à publicação do Decreto pela Presidência da República, entre outros.

Lembrando que tramitam no Congresso vários projetos neste sentido, como as Proposta de Emenda Constitucional do Trabalho Escravo (que prevê a desapropriação de fazendas onde a prática escravagista for detectada), e da Limitação de Propriedade (que propõe 35 módulos rurais como tamanho máximo das áreas privadas) que não foram e dificilmente serão votadas tão cedo, Teixeira defende a adoção, pelo governo, do procedimento de Medidas Provisórias; e o estabelecimento urgente de um segundo Plano Nacional de Reforma Agrária.

Para este ano, em todo caso, existe uma meta de assentamento de 150 mil famílias, de acordo com o Plano Plurianual (PPA) 2003/2007, afirma Vigna. “Como o governo não tem um estoque de terras, não se pode esperar nada além do que foi realizado em 2006”, lamenta.

Fonte: www.cartamaior.com.br – 13/01/2007

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