Para onde irá Lula II?
SÃO PAULO - Para onde vai o Brasil após o segundo turno, para a direita, para a esquerda ou fica onde sempre esteve? Se a métrica for o novo governo Lula, a resposta embute um perigoso exercício de futurologia. Apesar dos acenos ao desenvolvimento e do ataque às privatizações feitos no segundo turno, nada indica com segurança que tais gestos ganharão materialidade no segundo mandato.
Na noite de domingo (29), em seu primeiro discurso após a vitória, no Hotel Intercontinental em São Paulo, a frase “Vamos fazer um duro ajuste fiscal” pareceu meio perdida entre as várias declarações de intenção sobre os próximos anos. Mas ao longo do dia seguinte, em uma bateria de entrevistas à imprensa, o presidente lançou diversos recados sobre como será seu segundo tempo no Planalto. Entre eles, emitiu sinais claros de que a orientação econômica não deve mudar. Nesta terça-feira (31), em pronunciamento em rede nacional, Lula externou que “o nome do segundo mandato será desenvolvimento com distribuição de renda”, sem esquecer de mencionar a necessidade de “um grande esforço fiscal”.
Ainda na mesma segunda-feira (30), a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em entrevista à Rádio CBN, assegurou que "Os 4,25% de superávit primário estão mantidos”. Outro pilar da política econômica dos tempos de Pedro Malan e Antonio Palocci, as metas de inflação, também continuarão, segundo ela.
É cedo para garantir que teremos mais do mesmo. A grande definição virá com os nomes escolhidos para cada área da equipe econômica. O que mais há na imprensa são pequenos e grandes lobbies para tentar pautar o mandato que começa em 1º de janeiro. No entanto, se for mantida a mesma direção do Banco Central, o rumo das coisas estará traçado. Também não são animadoras, para a esquerda, as sondagens feitas ao empresário Jorge Gerdau Johannpeter, que adquiriu a ex-estatal Aços Piratini e se notabilizou como feroz opositor do governo petista de Olívio Dutra (1999-2003), no Rio Grande do Sul.
Se Lula de fato chamar Gerdau, um comprador de estatais, ficaria claro que sua pregação contra as privatizações não seria para valer.
Tendência progressista
O fato concreto é que, do ponto de vista do eleitorado, houve uma nítida tendência progressista. Os 58,3 milhões de votos dados ao presidente Lula representam uma derrota da direita tradicional e da grande imprensa.
Há uma particularidade nesta vitória, que não se vislumbrou em 2002. Embora naquela época o voto fosse pela mudança do que tinham representado os quatro anos de Fernando Henrique, a campanha eleitoral transcorreu sob o signo da mesmice. Os desígnios de Duda Mendonça buscavam solidificar a supremacia do marketing sobre a política, com profusões de grávidas vestidas de branco e apelos ao “Lulinha paz e amor”. Agora, com a realização do segundo turno, a pregação dos candidatos adentrou a seara política, com a retórica antiprivatista da campanha petista. O apelo teve sólida ressonância popular.
“As idéias estatizantes, vagamente socialistas e contra a livre-iniciativa foram vitoriosas nesta eleição”, constatou o insuspeito professor de filosofia Denis Lerrer Rosenfield (O Estado de S. Paulo, 30/10/2006), que não esconde seu conservadorismo. Assim, a derrota eleitoral da direita PSDB-PFL se estendeu à derrota de algumas das idéias da mesma direita e de seu principal aparato de difusão, a grande mídia.
Dupla mensagem
A campanha do segundo turno apresentou uma dupla mensagem. De um lado, o candidato Lula buscava acentuar as possíveis diferenças programáticas com o PSDB no terreno das privatizações. Elas levaram Geraldo Alckmin literalmente às cordas, fazendo com que perdesse cerca de 2,5 milhões de votos em relação ao que obtivera no primeiro turno. Ao denunciar as privatizações e ressaltar os avanços que sua política externa fez em relação aos países do terceiro mundo, Lula esquerdizou a campanha.
De outra parte, o presidente buscou apoios e parcerias entre personagens que nada têm a ver com os setores progressistas da sociedade, como Delfim Neto, Jader Barbalho, Esperidião Amin e Sérgio Cabral Filho, entre outros. Aqui falou mais alto o pragmatismo eleitoral, avançando rapidamente na consolidação de apoios nos estados. Ambos os movimentos animaram a maré montante de votos que Lula recebeu no domingo.
O discurso contra as privatizações foi medido com cuidado. Primeiro, ele se referia ao que já está feito. Em nenhum momento, Lula colocou em dúvida os ativos já vendidos. No máximo disse “Eu não teria vendido a Vale”. Não acenou com nenhum tipo de auditoria ou investigação sobre o que foi negociado, para não falar em reestatização de alguma empresa. A pregação sobre o assunto não teve fôlego longo nem mesmo no último debate, na Globo.
Legitimidade aumentou
Lula chega à sua segunda vitória nacional com apoios muito mais expressivos do que há quatro anos. Pelo menos 13 dos 27 governadores eleitos apóiam o governo, número que poderá aumentar daqui para frente. Não são aliados de um governo de esquerda, mas é um cenário mais sólido do que o obtido na gestão anterior.
A vitória de Ana Julia Carepa, no Pará, assume contornos históricos, por quebrar uma cidadela onde os tucanos reinavam há 12 anos. Se conseguir pelo menos reduzir a violência dos grandes fazendeiros contra os pobres do campo, o mandato da governadora petista estará coberto de êxito. No Sul, a apertada e espetacular vitória de Roberto Requião, no Paraná, garante a manutenção da administração que desenvolveu a mais contundente ação antineoliberal da última safra de governadores. Nada sintetiza melhor o fracasso do conservadorismo do que o paupérrimo resultado colhido pelo PFL nas urnas: elegeu apenas um governador, o do Distrito Federal.
Disso tudo se depreende que o presidente foi reafirmado no governo com uma legitimidade maior que a da primeira eleição. Tem mais quatro anos para iniciar um processo sólido de mudanças no País. Os rumos do futuro governo é que darão a palavra final sobre quem venceu as eleições, se a esquerda ou a direita. A resposta depende majoritariamente da vontade de Lula.
Fonte: www.cartamaior.com.br – 31/10/2006