Ações do MST denunciam vínculo entre corrupção política e latifúndio


icone facebook icone twitter icone whatsapp icone telegram icone linkedin icone email

Em ato contra a corrupção e pela reforma agrária, trabalhadores rurais sem-terra ocupam no Paraná fazenda de José Janene e acampam em frente à propriedade de Abelardo Lupion, ambos deputados federais do PP e PFL, respectivamente.

Duas ações das trabalhadoras e trabalhadores rurais sem-terra, ocorridas nos últimos dias 15 e 18 de setembro, têm o objetivo de denunciar um vínculo no mínimo curioso: a relação no Brasil entre a corrupção da classe política e o latifúndio, e o modo como este se associa às políticas das transnacionais estrangeiras, como a Monsanto (indústria de sementes transgênicas e herbicidas), por exemplo.

Para isso, no dia 15, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou a fazenda do deputado federal José Mohamed Janene (PP) - político envolvido no mensalão - a 20 km de Londrina. O deputado é líder na Câmara do PP e réu em 13 ações civis públicas na Justiça paranaense. Sob ele pesa a suspeita de enriquecimento e compra de 11 fazendas a partir da corrupção, entre outros bens.

Três dias depois, no dia 18, foi a vez da Via Campesina montar um acampamento em frente da entrada da propriedade do também deputado federal Abelardo Lupion, (PFL), no município de Santo Antônio da Platina. Lupion é acusado, entre tantas denúncias, de favorecer e ser favorecido pelas empresas Monsanto e Nortox, depois de aprovar emenda que autoriza o uso do glifosato como herbicida na cultura da soja geneticamente modificada (veja abaixo).

De acordo com José Damaceno, da coordenação estadual do MST, a ocupação da propriedade de Janene tem como pano de fundo dois objetivos: "Denunciar a corrupção, exigindo que sejam punidos os responsáveis. E a outra é que esta área, patrimônio da sociedade brasileira, seja devolvida na forma de reforma agrária", diz.

Lado a lado, os nomes dos dois deputados aparecem inscritos nos cartazes da Via Campesina, estendidos em frente à rodovia, em Santo Antônio da Platina. O que une o nome dos dois políticos é a defesa do latifúndio, construído à base de crimes políticos, segundo o MST.

Ainda que eles representem duas linhas diferentes de obter favorecimento. O coordenador estadual Diego Moreira aponta as diferenças entre eles: "O Janene representa o acúmulo próprio, sem projeto nenhum, ao passo que o Lupion é um testa-de-ferro das empresas imperialistas, representa um projeto de subordinação ao capital internacional", comenta.

Na expressão da coordenação do MST, o gesto político se soma a um sentimento de revolta da sociedade brasileira contra a corrupção generalizada. Talvez por isso, até os meios de comunicação comerciais deram atenção às ocupações, sobretudo no caso da fazenda de Janene. "Pensamos em como politizar o debate da corrupção do mensalão e o ato trouxe o debate para a sociedade. Isso representa o sentimento da sociedade brasileira - que não teve voz", comenta Moreira.


Uso do dinheiro público
O Agência Brasil de Fato acompanhou o ato na fazenda 3 Jota, área com 192 hectares, uma entre as 11 propriedades que José Janene arrebatou num período curto de tempo (2003 e 2004). Ali, havia uma criação de ovinos, além de outros símbolos, como a piscina da sede da casa, que serviriam de denúncia sobre desvio do dinheiro público.

No segundo dia de ocupação, foram descobertas quatro urnas eletrônicas no galpão da fazenda, e inclusive um cartaz de campanha do ex-prefeito de Londrina - deposto por corrupção - Emílio Bellinatti. Foram encontradas também 200 fitas de vídeo, todas elas apreendidas pela Polícia Federal, encaminhadas para perícia.

"O Judiciário deveria decretar a prisão preventiva do Janene e a desapropriação da área, destinada à reforma agrária ao invés de emitir a reintegração de posse. O deputado Janene está envolvido com desvio de dinheiro público, por isso, estamos exigindo a terra para a reforma agrária, essa e as outras áreas do Janene", comentou José Damaceno.

Longe dali, acampada na entrada da fazenda Nelore Beka, propriedade de Adelardo Lupion, a Via Campesina ergueu a sua bandeira e pendurou faixas com dizeres como este: "Caros deputados Janene e Lupion, devolvam o dinheiro roubado do povo". Eram 200 militantes acampados em frente à estrada. Um dos coordenadores do evento, Antonio Ereci da Silva, lembra que "Lupion é o sujeito que apresentou no Congresso a proposta de transformar a ocupação de áreas em crime hediondo. Além disso, ele é o articulador da UDR no Congresso Nacional. Ele está envolvido em crime eleitoral, tem vários processos e dossiês na Justiça contra ele".

As duas ações aconteceram sem problemas, no entanto, a Justiça emitiu a reintegração de posse da fazenda 3 J e a polícia promete o despejo para esta semana. O movimento pretende manter-se na área, por período indeterminado, até que a área seja destinada à reforma agrária.

Um ato contra a democracia representativa
A manifestação dos sem-terra ocorre justamente quando a política está submetida ao cronograma das eleições, embora uma boa parcela da sociedade brasileira se mostre desiludida com as possibilidades de mudança por meio do voto. Este sentimento é visível em conversa com militantes do MST. E a ação é uma crítica à democracia indireta e representativa.

"Do nosso ponto de vista, existe um ciclo de esgotamento da democracia representativa, que não representa ninguém a não ser os interesses dos próprios políticos, o que está no sentimento da militância. No caso dos dois (Janene e Lupion), seu interesse não defende nem mesmo um projeto de classe, mas apenas interesses pessoais e investimentos nos próprios bens, por meio de carros, fazendas, etc", afirma Diego Moreira, coordenador estadual do MST.

Para José Damaceno, a mudança vai ser puxada pela sociedade civil organizada e pelos movimentos sociais. "Não acreditamos em mudanças dentro da ordem, que é a ordem burguesa, ali não haverá mudanças. O Estado hoje segue a lógica do Estado mínimo, faz apenas serviços sociais, o que é colocar um esparadrapo na ferida, que é grande", afirma.

Fonte: www.brasildefato.com.br – 21/09/2006

« Voltar