Os novos comediantes do PFL


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Foi aberta a disputa entre os homens do PFL para saber qual deles consegue ser mais violento contra o presidente Lula. Não inovam na linguagem, não inovam nos métodos, não inovam nos gestos histriônicos. São os conservadores que voltam a aglutinar-se contra o desenvolvimento político e econômico do País. (Mauro Santayana)
Em um de seus ensaios mais penetrantes, Paradoxe sur le comedién, Diderot, ao falar sobre os atores de seu tempo ( pouco antes que o grande François-Joseph Talma revolucionasse o teatro francês), disse que “o mal dos comediantes modernos é imitar os comediantes antigos”. O mal dos golpistas de hoje é imitar os golpistas antigos.

Os conservadores voltam a aglutinar-se contra o desenvolvimento político e econômico do País. Não inovam na linguagem (embora a de hoje consiga ser um pouco mais chula do que a de antes), não inovam nos métodos, não inovam nos gestos histriônicos.

Há, entre os homens do PFL (com a exclusão de alguns, como o elegante Marco Maciel) disputa para saber qual deles consegue ser mais violento contra o presidente Lula. É uma corrida para a derrota. O Sr. José Jorge, que disputa com o Sr. Antonio Carlos Magalhães o campeonato de insultos, acaba de dar um tiro na candidatura do Sr. Geraldo Alckmin, ao qualificar o Presidente Lula como nordestino “desnaturado” e “renegado”. É preciso decifrar o que quis dizer com isso. Ao que parece, pretende afirmar que o presidente deixou de ser nordestino e passou a ser paulista. Se assim pensa, é estranho o juízo que tem dos paulistas, entre eles o seu companheiro de chapa. Se Lula é desnaturado, é preciso identificar qual a natureza real do nordestino: se a dos senhores de engenho, hoje usineiros, que constituem o arcabouço social do PFL, ou a dos plantadores e cortadores de cana, dos lavradores do agreste, com suas cabras, sua sede, seus filhos morrendo de verminose e de desnutrição. Talvez o bravo senador considere desnaturados todos os nordestinos que, empurrados pelas secas e pelo desemprego, deixaram o sertão e foram ganhar a vida em São Paulo, como é o caso dos milhões de trabalhadores que ajudaram a construir o grande Estado. Não está naturalmente pensando no engenheiro pernambucano José Ermírio de Moraes que migrando para São Paulo, administrou a empresa de seu sogro, e transformou a Votorantim no mais importante conglomerado industrial privado no Brasil, hoje sob o comando do Sr. Antonio Ermírio. Enfim, se um chegou com seu título universitário, outros, como Lula, vieram com as mãos de menino vazias, em caminhões pau-de-arara, tangidos pela fome. Tanto José Ermírio quanto Lula não foram desnaturados, nem renegados. Os dois honraram o Nordeste, vencendo em uma sociedade altamente competitiva e complexa, como a de São Paulo. O Senador José Jorge, para usar a expressão banal, pisou na bola.

A movimentação golpista de hoje nada tem de nova. Em 1950, já certos de que Getúlio Vargas voltaria, democraticamente, ao poder, seus adversários tentaram convencer as Forças Armadas de que lhe deveriam impedir a candidatura. Não encontraram ouvidos. Os chefes militares haviam concordado em destituir Vargas em nome da democracia, no dia 29 de outubro de 1945; portanto não poderiam impedir que ele se candidatasse, dentro dos ritos da Constituição de 18 de Setembro de 1946. Mais ainda porque, nas eleições de 2 de Dezembro de 1945, Getúlio foi eleito senador por São Paulo e pelo Rio Grande do Sul e deputado federal por vários estados, uma vez que a lei permitia a candidatura ao poder legislativo por mais de um estado.

Logo que as urnas confirmaram a vitória de Vargas, nas eleições presidenciais de 1950, os leguleios da UDN levantaram a esdrúxula tese da “maioria absoluta” - embora essa exigência não fosse constitucional - contestando seu direito de assumir a presidência, uma vez que não obtivera a metade mais um dos votos válidos (conseguira mais de 48%), contra os seus adversários, entre eles o udenista Eduardo Gomes, o pessedista Cristiano Machado e o socialista João Mangabeira.

Os grandes chefes militares, como o Marechal Mascarenhas de Moraes e o general Estillac Leal, com sua grande autoridade nos meios armados, declararam que Vargas fora democraticamente eleito e assumiria a Presidência. Feita uma consulta ao TSE, o tribunal confirmou a vitória de Getúlio, que assumiu o cargo em 31 de janeiro de 1951. Os golpistas não sossegaram. Durante os três anos e alguns meses seguintes, continuaram a fustigar o Chefe de Governo, acusando sua administração de todos os delitos possíveis e imaginários. A razão era simples: às oligarquias, que esses bacharéis representavam no Congresso e na sociedade, não interessava o desenvolvimento autônomo do País. Produtores e exportadores de açúcar e café consideravam insulto a adoção do salário mínimo, que negavam sistematicamente a seus empregados no campo, usando dos sistemas medievais da “terça” e do “cambão”. A eles se uniam os interesses norte-americanos, que queriam manter o Brasil sob seu controle, a fim de criar mercado para seus produtos. Assim, impunham limites ao desenvolvimento do Brasil, a fim de que o País não se transformasse em competidor no hemisfério. Os americanos controlavam a energia consumida em nosso País, com as concessões das empresas geradoras e distribuidoras de eletricidade nos grandes centros urbanos e forneciam quase todo o combustível líquido (diesel e gasolina) que consumíamos. Duas ou três pequenas refinarias importavam, também dos norte-americanos, petróleo cru, para transforma-lo em gasolina e querosene.

Ao serem criadas a Petrobrás e a Eletrobrás, a conspiração contra Vargas chegou ao máximo. Os grandes jornais (as tiragens eram, naquele tempo, bem maiores do que as de hoje) se uniram contra o Presidente da República. Vargas só contava com dois ou três jornais de pequena tiragem, como “O Radical”, e com a “Última Hora” de Wainer. Os outros eram pautados pela “Tribuna da Imprensa”, que Lacerda fundara com dinheiro dos católicos de todo o Brasil, em campanha dirigida pelo escritor Alceu Amoroso Lima, sob o argumento de que era preciso “dar um jornal para o Carlos”.

A coligação entre os interesses estrangeiros e os conservadores de direita levou à exacerbação de agosto de 1954. A história daqueles dias ainda está para ser contada. É possível que jamais venha a ser realmente conhecida, como provavelmente jamais será conhecida a trama que levou ao assassinato do Presidente Kennedy, nove anos depois. O fato é que um caso policial, muito mal contado, o da morte do major Rubem Vaz, que atuava como guarda-costas de Lacerda, fez com que se instalasse, na base militar do Galeão, um inquérito policial militar, absolutamente ilegal, contra o Presidente da República. Vargas preferiu o suicídio, a perder a própria dignidade e a dignidade do Estado que ele chefiava.

Os golpistas foram vencidos pelo gesto de Vargas. A opinião pública não se deixou conduzir pelos editorialistas e comentaristas políticos dos grandes jornais do Rio e de São Paulo. Apoiado pelas mesmas forças políticas que Vargas organizara, Juscelino se elegeu presidente em 1955, com o apoio de um grande chefe militar, o general Lott, mais uma vez vencendo a mesma e estranha tese da “maioria absoluta”. Em 1964, repetindo-se o mesmo cerco e os mesmos métodos, contra o presidente legítimo do País, João Goulart, e contando com o apoio aberto dos norte-americanos, mediante o IBAD e a CIA (além do deslocamento da Esquadra norte-americana para as costas brasileiras) os golpistas foram, enfim, vitoriosos. O regime de exceção só se extinguiria, já exausto, graças à lúcida atuação de políticos moderados e de militares sensatos, com a formação de poderosa coligação de centro.

Mas ao imitar os comediantes antigos, os nossos comediantes se esquecem de que o público mudou. Não é o mesmo de 1954 e muito menos o de 1964. Tampouco as Forças Armadas são as mesmas. Elas aprenderam, com a História, que lhes não é conveniente ouvir as vivandeiras, que batem à porta dos quartéis, a fim de obter, com as baionetas, o que não conseguem no embate político democrático.

O governo está respondendo com prudência. A melhor resposta é a de propor a realização de um grande projeto nacional de centro, que se inicie no próximo mandato presidencial. Esse projeto deverá dar prioridade ao desenvolvimento econômico e às reformas políticas, a fim de que confiram legitimidade ao sistema representativo e incentivem a autonomia administrativa e o poder político dos municípios e dos Estados.
Fonte: www.agenciacartamaior.com.br – 23/06/2006

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