Medida provisória beneficia investidores estrangeiros e fragiliza o Brasil


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A MP 281, que isenta estrangeiros que detêm título público brasileiro de imposto de renda, é o primeiro item da pauta do plenário do Senado nesta terça-feira (30/05). Luiz Otávio (PMDB-PA) apresentará parecer favorável à aprovação. (André Barrocal – Carta Maior)
BRASÍLIA - O alvoroço do mercado na semana passada, por conta das incertezas sobre o futuro da economia norte-americana, recomenda prudência ao Senado na apreciação da Medida Provisória (MP) 281, primeiro item da pauta do plenário nesta terça-feira (30). A matéria receberá parecer favorável à aprovação do relator Luiz Otávio (PMDB-PA).

A turbulência evidenciou, mais uma vez, que o capital especulativo estrangeiro guia-se pela moral do lucro, sem se importar com os efeitos de suas decisões sobre a economia de um país. Ao atrair capital externo com isenção de imposto de renda para comprador de título público, benesse da MP, o governo fragiliza o Brasil diante dos investidores internacionais, aumenta a vulnerabilidade externa do país e expõe o câmbio a pressões que podem produzir alta do dólar, ameaça de inflação e recrudescimento da ortodoxia do Banco Central (BC).

Durante a agitação do mercado na semana passada, o capital estrangeiro fugiu do Brasil num movimento cujo ápice deu-se quarta-feira (24/05). Naquele dia, a moeda norte-americana disparou 4,71% e atingiu R$ 2,40. A continuidade da alta do câmbio por mais alguns dias, com seu potencial inflacionário, poderia levar o BC a interromper a queda dos juros nesta quarta-feira (31), quando o Comitê de Política Monetária (Copom) anuncia se corta a Selic – o Copom ainda pode frear a redução do juro, mas por conta da turbulência em geral, não pelo dólar especificamente.

A debandada estrangeira ocorreu depois de os especuladores terem se desfeito às pressas de títulos que tinham sido incentivados a adquirir. O próprio mercado reconhece a relação de causa e efeito, batizada de “efeito bumerangue”. “Se quando o estrangeiro compra esse título, ingressam dólares no país, valorizando o real, ocorre exatamente o inverso quando ele vende”, disse Alexandre Póvoa, diretor de uma empresa de análise de mercado (Modal Asset Management), em declaração reproduzida no jornal Folha de S. Paulo da última quinta-feira (25).

A entrada de dólares no país graças à sedução de estrangeiros com IR zero tem sido polpuda, de acordo com o BC. De janeiro a abril, foi de US$ 6,5 bilhões o investimento de estrangeiros em títulos da dívida interna brasileira, negociados apenas dentro do país - apesar de o credor ser estrangeiro, não se trata de dívida externa, que se caracteriza por empréstimos ou transação de papéis no exterior. Só de março a abril, meses posteriores à isenção - a MP 281 foi editada em 14 de fevereiro -, os estrangeiros levaram US$ 4,6 bilhões em títulos. O governo previa que, em 2006, a aplicação totalizaria US$ 5 bilhões.

Para se ter uma referência de comparação e observar o poder da MP na atração de capital externo: em todo o ano de 2005, os estrangeiros gastaram US$ 689 milhões em títulos públicos internos; em 2004, US$ 101 milhões; e em 2003, US$ 272 milhões.

Em 2002, a aplicação estrangeira em títulos foi negativa em US$ 274 milhões. Ou seja, mais especuladores saíram do Brasil do que entraram. Naquele ano, a cotação do dólar galopou quase até o patamar de R$ 4, por causa da deserção do capital externo durante a eleição presidencial. Pode-se imaginar que a presença estrangeira mais expressiva entre os credores de título público teria empurrado o dólar a cotações maiores.

GENEROSIDADE DO TESOURO
A fuga dos estrangeiros na semana passada contou com a generosidade da Secretaria do Tesouro Nacional, gerenciadora da dívida federal de R$ 1 trilhão em títulos públicos negociados no mercado. Dos papéis comprados pelos estrangeiros este ano, boa parte (66%, segundo o BC) era de médio ou longo prazo (alguns, até 2045).
Investidor brasileiro não gosta deste tipo de papel, chamado NTN-B, e os estrangeiros ficaram sem ter para quem vendê-lo antes de fugir. O Tesouro agiu prontamente. De quarta-feira (24) a sexta-feira (26), aceitou recomprar R$ 4 bilhões em títulos dos quais os estrangeiros queriam se livrar. O Tesouro não informou qual foi custo para os cofres públicos dos três dias de socorro.

A ação do Tesouro pode ter impedido que os estrangeiros tenham perdido até 30% do que haviam investido, segundo Luiz Sérgio Guimarães, colunista do jornal Valor Econômico - a estimativa consta de coluna publicada na última quinta-feira (25). Em entrevista na quarta-feira (24), primeiro dia de solidariedade com o capital externo, o secretário Carlos Kawall negou que o Tesouro tenha atuado para aliviar prejuízo alheio. “Não é esse nosso papel”, afirmou.

A aquisição pelo Tesouro dos títulos de longo prazo em mãos estrangeiras afrontou uma das principais justificativas usadas pela equipe econômica para conceder isenção de IR ao capital externo: o alongamento dos prazos de vencimento da dívida pública.

“De fato, há importantes segmentos de investidores estrangeiros que têm preferência por investimentos em títulos de longo prazo (...) A expectativa, baseada na experiência de outros países, é que uma maior participação do investidor não-residente no conjunto de detentores de títulos públicos dê celeridade à política de alongamento dos prazos”, disse o Ministério da Fazenda na exposição de motivos que enviou junto com a MP 281 ao Palácio do Planalto.

Os outros motivos utilizados pela Fazenda para defender a isenção foram a redução dos juros pagos aos compradores de títulos e o alinhamento às práticas internacionais - estrangeiro tem isenção de imposto de renda em diversos países pelo mundo. No Senado, o governo diz que a turbulência da semana passada já foi superada e que não há razão para desistir das vantagens da isenção.

INSTABILIDADE CAMBIAL NA CALMARIA

Mas um cenário de calmaria no mercado, não só de turbulência, também mostra que atrair mais capital estrangeiro adiciona instabilidade ao câmbio. A entrada de dólares no Brasil este ano – por razões como juro alto do BC, exportações recordes e aplicação estrangeira em título público sem pagar IR – derrubou a cotação da moeda norte-americana, encarecendo as exportações brasileiras. Em março e abril, os estrangeiros investiram US$ 4,6 bilhões em títulos. Em pouco mais de dois meses – de 15 de fevereiro, dia seguinte à assinatura da MP, até o fim de abril –, o dólar caiu 2,3%.

O prejuízo que a MP ajudou a provocar aos exportadores foi citado no Senado como motivo para a Casa no mínimo ter cuidado ao votá-la. A ponderação partiu do senador Tasso Jereissatti (CE), presidente do PSDB. Em negociações com a base governista sobre a votação da MP 281, Tasso mencionou o setor rural como exemplo de perda decorrente do dólar barato. Mas a argumentação não empolgou nem a bancada tucana. A expectativa do governo é aprovar a MP até quarta-feira (31/05). O parecer do relator, senador Luiz Otávio, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), sugere votá-la nos mesmos termos aprovados pela Câmara no dia 26 de abril.
Fonte: www.cartamaior.com.br – 30/05/2006

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