O Brasil é governado por uma elite muito perversa


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Se as declarações de Cláudio Lembo sobre o caráter perverso da elite brasileira foram bombásticas, as reações de seus aliados no PFL e no PSDB expuseram um silêncio patético e constrangido, parecendo confirmar o diagnóstico do governador. O tom geral foi: “vamos fazer de conta que não ouvimos o que ouvimos”.

O governador Cláudio Lembo (PFL), em entrevista a Mônica Bergamo, na "Folha de São Paulo", fez algumas das declarações mais duras e agudas contra a elite brasileira que se tem notícia nos últimos tempos. Não mediu palavras. O Brasil é governado por uma elite branca muito perversa. A burguesia brasileira terá de abrir a bolsa para sustentar a miséria social do país. Nossa burguesia devia é ficar quietinha pensar muito no que ela fez para este país. Essas foram algumas das declarações do governador paulista. Um homem do PFL, partido que, segundo a piada de Bergamo, cuja autoria Lembo reivindicou, está no poder desde que Cabral chegou ao Brasil. Na entrevista, o governador também destila ironia na direção do triunvirato tucano (Alckmin, Serra e Fernando Henrique Cardoso), que não teria manifestado grande solidariedade com a situação enfrentada por ele desde o final da semana passada. Mas o que foi que Lembo disse mesmo?

Muita gente não acreditou ao pegar a "Folha de São Paulo" nas mãos e ler a seguinte radiografia da elite brasileira: “O Brasil só acredita na camisa da seleção, que é símbolo de vitória. É um país que só conheceu derrotas. Derrotas sociais...Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa (...).Não há nada mais dramático do que as entrevistas da Folha (com socialites, artistas, empresários e celebridades) desta quarta-feira. Na sua linda casa, dizem que vão sair às ruas fazendo protesto. Vai fazer protesto nada! Vai é para o melhor restaurante cinco estrelas junto com outras figuras da política brasileira fazer o bom jantar (...).Nossa burguesia devia é ficar quietinha e pensar muito no que ela fez para este país (...).A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações”.

O LUGAR DE QUEM FALA

Essas declarações têm um significado adicional, além daquele expresso propriamente pelo seu conteúdo. E esse significado adicional diz respeito ao lugar de quem fala. Quem fala é um quadro dirigente do PFL que até bem pouco tempo era vice daquele que hoje é o candidato do PSDB à presidência da República, o sr. Geraldo Alckmin. Quem fala é alguém que conhece a elite de perto. Na entrevista, aponta alguns de seus hábitos, idéias e comportamentos. Não é a fala de um esquerdista panfletário discursando contra as elites brasileiras pela milésima vez. Se fosse, provavelmente não ganharia uma linha na imprensa. Não traria nada de novo. Quem fala é o governador do estado mais rico do país. É o principal mandato que o PFL ocupa hoje no Estado brasileiro. É a fala de alguém que manifesta desprezo por seus pares, um desprezo profundo, “quase classista”, com a licença do paradoxo. O modo como se refere às “dondocas de SP” é sintomático.

“O que eu vi (nas entrevistas para a Folha) foram dondocas de São Paulo dizendo coisinhas lindas. Não podiam dizer tanta tolice. Todos são bonzinhos publicamente. E depois exploram a sociedade, seus serviçais, exploram todos os serviços públicos. Querem estar sempre nos palácios dos governos porque querem ter benesses do governo. Isso não vai ter aqui nesses oito meses (prazo que resta para Lembo deixar o governo)”. Lembo foi mais longe, espacial e temporalmente, fazendo uma irônica homenagem à obra de Gilberto Freire: “A casa grande tinha tudo e a senzala não tinha nada. Então é um drama. É um país que quando os escravos foram libertados, quem recebeu indenização foi o senhor, e não os libertos, como aconteceu nos EUA. Então é um país cínico. É disso que nós temos que ter consciência. O cinismo nacional mata o Brasil. Este país tem que deixar de ser cínico. Vou falar a verdade, doa a quem doer, destrua a quem destruir, porque eu acho que só a verdade vai construir este país”. Mais claro, impossível.

“DECLARAÇÕES FORAM COMEDIDAS”

Se as declarações de Lembo contra a elite branca brasileira foram bombásticas, as reações de seus aliados no PFL e no PSDB expuseram um silêncio patético e constrangido, parecendo confirmar o diagnóstico do governador. O tom geral dessas reações foi: “vamos fazer de conta que não ouvimos o que ouvimos”. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), disse que as declarações do governador foram “comedidas diante do que ele passou”. Comedidas? Imaginemos, por um segundo, o que Lembo diria se não fosse comedido. “Governador de São Paulo defende o fim da propriedade privada e a expropriação da burguesia brasileira”. “Lembo convoca Chávez para enfrentar elite brasileira”. Ou ainda: “Lembo declara guerra à elite de São Paulo”. Algo assim. Para Virgílio, a entrevista “foi a expressão de um governante naturalmente e compreensivelmente comovido com o drama que seus governados viveram”.

O líder do PFL no Senado, José Agripino (RN), ainda irritado com a escolha de José Jorge (PFL-PE) para ser o vice de Alckmin, preferiu o silêncio e não comentou as declarações de Lembo. O senador Romeu Tuma (PFL-SP) admitiu que o PSDB falhou no apoio a Lembo, que a entrevista atingiu Alckmin, e filosofou: “Medo não dá só em branco, dá em qualquer um. Foi um desabafo”. Um desabafo comedido e comovido, como diria o senador Arthur Virgílio. Aliás, o líder tucano também fez seu desabafo: “Não sei por que o Serra não ligou. Não faria mal ter ligado. Se o Fernando Henrique disse (ser contra supostas negociações com o PCC), era melhor não ter dito”. Os sites de PFL e PSDB simplesmente ignoraram a entrevista. Nenhuma palavra. Há uma certa coerência aí, medíocre, mas coerência. Se houve silêncio na hora de prestar solidariedade a Lembo, ele continuou quando o governador “desabafou”.

SILÊNCIOS RUIDOSOS

Lembo manifestou seu desconforto com tanto silêncio, um silêncio que só foi quebrado com uma bola nas costas do governador, lançada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (que criticou a possibilidade de um acordo com o PCC). “Eu acho que o presidente Fernando Henrique poderia ter ficado silencioso. Ele deveria me conhecer e conhecer o governo de SP. Eu não posso admitir nem a hipótese de se pensar isso. Para opinar sobre um tema tão amargo, tão grave, ele teria que refletir, pensar. E se informar. Quanto ao presidente (FHC), pode ser que eventualmente ele tenha precedente sobre acordos. Eu não tenho”. Alckmin ligou duas vezes. “O senhor achou pouco?”, perguntou Mônica Bergamo. “Eu acho normal. Os pulsos (telefônicos) são tão caros”, respondeu Lembo. Já o ex-prefeito de São Paulo e candidato ao governo do Estado, José Serra, não ligou nenhuma vez, revelou Lembo. Serra é conhecido por ser um homem econômico.

Entre silêncios, bolas nas costas, evasivas e declarações ambíguas e protocolares, ninguém do PSDB e do PFL se atreveu a comentar abertamente o conteúdo da entrevista de Lembo. A própria entrevista pode fornecer uma chave para explicar esse silêncio. “Nossa burguesia devia é ficar quietinha e pensar muito no que ela fez para este país”. Provavelmente o chapéu não serviu a nenhuma cabeça. Trata-se de um silêncio de outro tipo. Um silêncio constrangido e perplexo. Dizer o quê, exatamente? Concordar com o diagnóstico de Lembo sobre o caráter perverso e pueril da elite branca brasileira? Tecer algum comentário sobre a necessidade de a burguesia brasileira abrir a bolsa para enfrentar a miséria social do país? O que fazer com isso? Talvez estejam apostando na máxima que diz: “Se nos mantivermos calados pensarão que somos filósofos”. Ou, melhor ainda, inocentes.

Marco Aurélio Weissheimer - www.agenciacartamaior.com.br - 18/05/2006

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