Autonomia de emissoras de tv e rádio é condição para sistema público


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Um dos fatores cruciais para a consolidação de um sistema de comunicação social mais equilibrado – diferentemente do atual domínio por parte de veículos comerciais - é ético: a relação entre as emissoras de vocação pública frente aos governos. (Jonas Valente – Carta Maior)

BRASÍLIA - A formação do sistema de rádio e televisão no País levou a um desequilíbrio entre as diferentes modalidades de radiodifusão, favorecendo a presença absolutamente majoritária (em mais de 80%) de emissoras comerciais que - como o próprio nome diz - orientam sua programação pela lógica do lucro junto às suas fontes pagadoras: os anunciantes. Para equilibrar esse quadro, seria necessário estabelecer e consolidar um sistema público de rádio e TV, realidade em diversos países da Europa.

Este cenário, no entanto, está longe de se tornar realidade no Brasil. E um dos fatores cruciais para a definição de um sistema menos concentrado é fundamentalmente ético: a relação entre as emissoras públicas frente aos governos.

A reflexão foi colocada pelo presidente da Radiobrás (empresa pública brasileira que envolve duas TVs, quatro rádios e uma agência de notícias), Eugênio Bucci, em debate promovido pelo Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão consultivo do Congresso, que teve como tema a Ética na Comunicação. “Podem os governos segundo critérios partidários orientar a linha editorial de veículos que se encontram sob a sua administração?”, questionou Bucci. A resposta negativa do jornalista à pergunta levantada por ele próprio foi seguida de uma comparação. Se uma escola utilizasse critérios políticos partidários para a escolha dos seus alunos, isso seria tratado como escândalo, mas o uso destes critérios nos meios de comunicação públicos é tolerado. “A educação é direito mais importante que a informação?”, questionou.

Para Bucci, a informação é direito tão importante para a cidadania quanto a educação, a saúde e outros. Ao se comportar como veículos de interesses de grupos que estão à frente de governos em determinados momentos históricos, as emissoras acabam prestando um anti-serviço público. Isso ocorre, na opinião dele, porque há no Brasil uma cultura de tolerância com esta prática, compreensão que legitima o uso governamental destes meios em detrimento de sua função pública de informar. Ele citou como exemplo o caso da própria empresa que dirige, a Radiobrás. Segundo o jornalista, há vários exemplos ao longo da história de intervenção na linha editorial dos veículos da empresa. O exemplo mais crítico é a Voz do Brasil (programa transmitido em caráter obrigatório às 19h por todas as rádios). “Na Voz do Brasil há sonegação de informações de interesse público e proselitismo político partidário”, disparou.

Além da cultura negligente para com as relações promíscuas entre governos e emissoras, parte deste quadro seria resultado da fraca estruturação e regulamentação do conjunto de meios de comunicação públicos, composto hoje por uma diversidade grande de figuras jurídicas e administrativas. “Não temos comunicação pública devidamente regulamentada e organizada”, disse Bucci. Hoje, neste campo há emissoras com concessões tanto de educativas como de comerciais. Em relação à sua configuração jurídica, há canais sendo mantidos por diversos entes, como fundações de direito privado, autarquias do poder público e empresas públicas regidas pelas regras das Sociedades Anônimas (como é o caso da Radiobrás). Para o presidente do Conselho de Comunicação Social, Arnaldo Niskier, as educativas (maioria absoluta do chamado campo público, ligadas aos governos estaduais) são carentes eticamente de uma missão que contraponha o sistema comercial. “Hoje as educativas são uma nau sem rumo. Não prestam este serviço que seria indispensável e obrigatório”.

Consultado pela CARTA MAIOR, o professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) Laurindo Lalo Leal, pesquisador da comunicação pública no País e no mundo, afirma que a situação é mais dramática do que a pintada por Eugênio Bucci. “Na prática nós temos um modelo privado de TV consolidado e que é hegemônico. Ele é herança do rádio que foi adotado no Brasil a partir de 1950 sem haver nenhum tipo de referencia com qualquer tipo de serviço público. Nunca se discutiu como garantir o caráter público das emissoras uma vez que elas são concessões públicas. O pouco avanço que se conseguiu foi na Constituição Federal de 1988, com regras de proibição de monopólio e a instituição dos sistemas privado, público e estatal. Mas estes artigos nunca foram regulamentados”.

Esta falta de regulamentação sobre o que seria o sistema público teria resultado num quadro da não existência de reais emissoras públicas no País. Para que fossem públicas, as emissoras deveriam ter gestão democrática e com representação dos diversos segmentos da sociedade e financiamento certo e diverso, não podendo depender dos executivos (federal, estaduais e municipais) nem do ponto de vista administrativo nem do financeiro. A partir destes critérios, Lalo afirma que a única emissora que se aproxima de um veículo público é a TV Cultura, que embora seja mantida por uma fundação de direito privado acaba sofrendo influência do Executivo estadual paulista por conta da parte majoritária do seu financiamento ser determinada por aquele governo. “Todo o resto é estatal, por que tem ingerência direta dos governos estatais. Há emissoras de TV nos estados que são simplesmente canais de propaganda dos governos de plantão”.

CONTEÚDO
Outra discussão colocada no debate promovido pelo CCS foi o conteúdo dos meios de comunicação, tanto do ponto de vista de seu teor quanto da sua quantidade e variedade. Para Eugênio Bucci, é perigoso falar que o problema está na imparcialidade, pois é difícil que se chegue a ela. Mais do que buscar a isenção do jornalista, é preciso trabalhar com critérios no relato feito, o que passa por separar de forma clara informação de opinião. Isso significa, na opinião do presidente da Radiobrás, separar institucionalmente o jornalismo da assessoria de imprensa.

Na opinião do professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Francisco Karam, para que haja ética na comunicação é fundamental que haja diferentes conteúdos e visões nos meios de comunicação. “Na perspectiva ética, a pluralidade e diversidade deveriam acontecer. Se não houver isso, a ética e o tecido cultural tendem a se esvair em prol do cinismo, da violência e do narcisismo”. Em contraposição a este risco, a mídia deve primar não por um conteúdo monolítico e pela busca da verdade absoluta, mas pela explicitação do diferente, do contraditório existente na sociedade. “É preciso abrir mais as informações, conhecer a sociedade em sua diversidade de visões e os conflitos existentes”, disse.

Para que esta diversidade seja expressa nos meios de comunicação, o professor defendeu a segmentação dos conteúdos e dos meios da comunicação e a regulamentação da Constituição Federal, que estabelece finalidades culturais e educativas para a programação na radiodifusão. A regulamentação dos artigos da Constituição atenderia outra distorção, a dos meios privados. Para Karam, assim como os meios públicos são atingidos pelas interferências dos governos, os meios privados vêm sofrendo influências danosas principalmente na atual conjuntura de criações de megaconglomerados de mídia e de compra de veículos por grandes grupos empresariais não relacionados à comunicação.

Fonte: www.agenciacartamaior.com.br - 10/05/2006

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