Pacote legaliza centrais e cria novo conselho tripartite


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BRASÍLIA - A difícil negociação entre trabalhadores e empregados, patrocinada pelo governo, para se construir uma relação capital-trabalho menos desequilibrada no Brasil – desequilibrada para os trabalhadores, ressalte-se - já produzira consensos no Fórum Nacional do Trabalho (FNT) que, no entanto, ainda estavam longe do mundo real. A reforma sindical que o Fórum preparou foi enviada à Câmara em março do ano passado, mas empacou por resistência de alguns setores patronais e sindicais.

A paralisação brecou idéias consensuais que, finalmente, ganharam vida nesta segunda-feira (08). Em cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente Lula assinou medidas provisórias (MPs) que legalizam as centrais sindicais e criam o Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT), formado por empregados, empresários e governo. O Planalto também mandou ao Congresso projeto que regulamenta cooperativas de trabalho, a fim de impedir que sirvam para suprimir direitos.


Maior central brasileira, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) considerou o pacote uma tentativa de “humanizar” as relações capital-trabalho. “O mundo do trabalho no país é profundamente perverso e autoritário. Quando o governo edita medidas dessa natureza, humaniza um pouco mais essas relações”, disse o presidente da CUT, João Felício.


A legalização das centrais foi apontada por sindicalistas como o ponto mais importante do pacote. Embora elas já sejam, na prática, entidades representativas, carecem de respaldo legal. Até hoje, atuaram como uma espécie de organização não-governamental (ONG). Nada obrigava o governo a assentá-las em instâncias como o FNT ou o patronato a aceitá-las em negociações. “Elas dependiam de boa-vontade. Agora [com a MP], não”, afirmou Osvaldo Bargas, que foi coordenador-geral do FNT e hoje chefia o gabinete do ministro do Trabalho, Luiz Marinho. “Consideramos uma vitória que se busca desde Getúlio Vargas”, declarou o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho.

A legitimação das centrais vai reforçar-lhes o poder de negociação – e, em conseqüência, dos trabalhadores em geral – nos embates com o empresariado. Por isso, setores patronais já protestam contra a idéia. Em nota distribuída nesta segunda-feira (08), a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio) criticou a proposta. E deixou claro o motivo: prefere interlocutores fracos. “Se as centrais sindicais tornarem-se agentes negociadores, isso dificultará os acordos coletivos, que levam em conta as necessidades e características regionais”, disse a nota. Curiosamente, o presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antonio Oliveira Sales, participou da solenidade no Planalto, mas não fez nenhum reparo à proposta.


Atualmente, 17 entidades declaram-se “centrais” ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Para conquistar a chancela de fato, terão de se enquadrar nas regras definidas na MP: filiação mínima de 100 sindicatos, sendo ao menos um de cada região do país e em cinco setores econômicos diferentes; além disso, cada sindicato filiado deverá ter ao menos 10% dos empregados sindicalizados do setor. Pelo critério “filiação mínima de 100 sindicatos”, só cinco das 17 entidades, sobreviveriam - CUT (1558 filiados), Força Sindical (607), Nova Central Sindical de Trabalhadores (427), Central Geral dos Trabalhadores (146) e Social Democracia Sindical (145).


SUSTENTAÇÃO POLÊMICA

Além de sobreviver, a central que passar pelos critérios da MP poderá conseguir também recursos federais. CUT e Força avisaram que vão brigar, no Congresso, por novas fontes de financiamento. A Força, por exemplo, cobiça parte do imposto compulsório destinado ao Ministério do Trabalho. A contribuição girou R$ 1 bilhão no ano passado, dos quais R$ 200 milhões ficaram com a pasta. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) distribui 60% dos recursos aos sindicatos, 20% ao MTE, 15% às federações e 5% às confederações. “Nos reconheceram como instância máxima do movimento sindical, mas sem nenhum centavo”, reclamou Paulinho. “Vamos ao Congresso emendar a MP para termos sustentação financeira”, afirmou João Felício.


Cotado para relatar a MP na Câmara, o deputado Vicente Paulo da Silva (PT-SP), o Vicentinho, ex-presidente da CUT, concordou com a reivindicação. “Acho certo. É assim em qualquer parte do mundo”, declarou. No ministério, há dúvidas sobre a repartição do dinheiro com as centrais. “Pode haver inconstitucionalidade”, disse Bargas.

CONSELHO NACIONAL DE RELAÇÕES DO TRABALHO

O Conselho será tripartite, com cinco representantes de trabalhadores, cinco de patrões e cinco do governo. Vai servir como espaço permanente de debate das relações capital-trabalho e de formulação de políticas para o setor. Sua criação segue o espírito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de incentivo ao diálogo e à negociação. “O Conselho é histórico para um país em que as relações se deram muito pelo conflito, pela criminalização dos movimentos sociais”, disse Felício.

Representante patronal na solenidade, a CNC apoiou a idéia. “O Conselho foi um dos mais importantes consensos surgidos no Fórum. Honestamente, esperamos que seja um marco no fomento ao diálogo”, afirmou Oliveira Sales. Também neste ponto, a Fecomércio, instância inferior à CNC, divergiu. Em nota, a entidade paulista contestou o caráter público do Conselho – seria “ingerência na organização sindical” - e queixou-se da presença do governo entre os integrantes.

Caso já existisse, o Conselho poderia mediar um acordo entre os comerciantes da CNC e da Fecomércio com as centrais sindicais em um assunto que pode ter novidades em breve: a regulamentação do trabalho aos domingos. As centrais querem limites e contrapartidas. A CUT defende três folgas e um domingo de trabalho por mês. A Força topa folga de apenas dois domingos. “Ainda não tem acordo”. Esperamos que nos próximos dias haja um”, disse o ministro Luiz Marinho.


COOPERATIVAS DE TRABALHO
No pacote trabalhista anunciado nesta segunda-feira (8), o presidente Lula despachou ao Congresso um projeto que regulamenta o funcionamento de cooperativas de trabalho. O governo vai reconhecê-las, defini-las do ponto de vista legal e estimular sua criação formal. São dois objetivos básicos: (1) evitar que as cooperativas permitam ao patrão que as contrata sonegar direitos trabalhistas aos funcionários e (2) apoiar aquelas montadas legitimamente por trabalhadores marginalizados (catadores de lixo, por exemplo). Para cumprir a segunda meta, está prevista a criação de um programa nacional de financiamento às cooperativas com dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).


SERVIDORES EM CONSELHOS DE ESTATAIS

Durante a solenidade, o ministro Luiz Marinho informou que o governo está estudando um modo jurídico – por meio de lei, decreto, portaria, não está certo ainda - que autorize os funcionários de estatais federais a indicar representantes no conselho de administração das empresas – Petrobras e Banco do Brasil, por exemplo. A presença dos servidores junto à cúpula pode ser um mecanismo adicional de vigilância sobre a diretoria. “Se a empresa é pública e o Estado é que administra, temos todo o direito de participar da gestão”, afirmou Felício.

Fonte: Carta Maior

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