Oposição utiliza ponte para justificar adiamento de votação do orçamento


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Fazenda selou acordo com governos estaduais sobre o repasse de recursos compensatórios pela isenção de impostos para exportação. Mesmo assim, líderes da oposição no Congresso se desdobraram para transferir a votação para a próxima terça-feira (18). (André Barrocal – Carta Maior)

BRASÍLIA - Por volta das 20h desta terça-feira (11), o líder do governo no Congresso, senador Fernando Bezerra (PTB-RN), e o governador do Ceará, Lúcio Alcântara (PSDB), deixaram uma reunião com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciando um acordo pelo qual o PSDB, um dos dois maiores partidos de oposição, votaria a proposta de Orçamento Geral da União (OGU) de 2006 naquele mesmo dia noite adentro. Mantega passara o dia resistindo à pressão de estados por mais recursos, mas acabou admitindo liberar ao menos uma parte. Só que havia uma ponte no meio do caminho da votação, como se descobriu minutos depois. Uma ponte em Sergipe. Pelo menos, foi o que o líder na Câmara do outro grande partido oposicionista, Rodrigo Maia (PFL-RJ), alegou que seria motivo suficiente para boicotar a votação.

O PFL deseja que o orçamento do governo federal tenha verba para bancar obras de uma ponte em estado governado por um filiado ao partido, João Alves. Esse foi o caso mais explícito, mas não o único, de barganha que a oposição tentou fazer com o governo na negociação para votar o orçamento. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), acha que a lei deve reservar dinheiro para o gasoduto Coari-Manaus. O entendimento selado pelo tucano Lucio Alcântara com Mantega, no entanto, o fez recuar.

Os senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Heráclito Fortes (PFL-PI) também impuseram condições para aprovar o orçamento e conseguiram adiar a votação para a próxima terça-feira (18). ACM, no caso, pede mudanças na execução das obras da BR-101 na Bahia. Para o relator do orçamento, deputado Carlito Merss (PT-SC), o boicote da oposição reflete interesses eleitoreiros dos adversários do Planalto: impedir as ações do Executivo, sobretudo os investimentos.

Com a recusa da oposição de votar o projeto, o governo completa nesta quarta-feira (12) 102 dias de atividades sem orçamento. Há seis anos que o Congresso não passava tanto tempo sem aprovar a lei. Antevendo as dificuldades, ainda no fim do ano passado, o governo bolou uma solução para a falta de orçamento: gastar em 2006 recursos destinados a investimento na lei de 2005.

Sem a votação do orçamento na noite de terça-feira (11 de abril), o governo diz que vai baixar medidas provisórias (MP) para manter as ações federais. "O país está parado. A Aeronáutica não tem dinheiro nem para botar combustível nos aviões", afirmou o senador Bezerra.

Cogitada pelo governo, outra retaliação - o abandono do acordo feito pelo ministro da Fazenda com o PSDB na noite desta terça-feira (11) - acabou abortada. O grupo de governadores e representantes do empresariado que foi a Brasília pressionar o Congresso queria mais R$ 1,8 bilhão (a previsão é de R$ 3,4 bilhões) de compensação pela ausência de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo estadual, nas exportações – consagrada pela Lei Kandir. Estiveram presentes os governadores Aécio Neves (Minas Gerais), Germano Rigotto (Rio Grande do Sul), Cláudio Lembo (São Paulo), Rosinha Matheus (Rio de Janeiro), Alcides Rodrigues (Goiás), Blairo Maggi (Mato Grosso), Paulo Souto (Bahia), Lúcio Alcântara (Ceará) e Simão Jatene (Pará) e os presidentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, e da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouveia Vieira.

Mantega avisou que atenderia o pedido apenas se a arrecadação de impostos superasse a expectativa durante o ano. Os governadores recuaram e aceitaram que metade (R$ 900 milhões) dependesse da arrecadação. O restante (R$ 900 milhões) deveria ser incluído já no orçamento. Aí foi a vez de Mantega ceder, e chegou-se ao acordo: R$ 500 milhões no orçamento já e acréscimo de R$ 1,3 bilhão vinculado ao aumento da arrecadação.

A austeridade de Mantega na negociação aconteceu num dia curioso. Enquanto os governadores estavam no Congresso, o ministro recebia em seu gabinete o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o indicado para a diretoria de Assuntos Internacionais do BC, Paulo Vieira da Cunha. Antes da indicação, Cunha, como analista do setor privado, lançou dúvida sobre a escolha de Mantega para chefe da equipe econômica. Para ele, Mantega poderia descumprir as metas de superávit primário, ou seja, afrouxar as despesas. A resistência do ministro à sanha dos governadores por mais recursos mostra que o palpite de Cunha pode não se confirmar. A ida de Cunha ao ministério hoje serviu para desfazer o mal-estar.

Para um articulador político do Planalto que acompanhou as negociações do orçamento, Mantega saiu-se muito bem nesse primeiro desafio político. "O acordo foi uma vitória", disse.

Mas nem todos os movimentos de Mantega foram "vitoriosos". Para participar da reunião que governadores tiveram com deputados e senadores para pedir mais verba, Mantega mandou como representante o secretário-executivo, Bernard Appy. Os governadores e parlamentares ficaram incomodados com o envio de um emissário do segundo escalão. Queriam o próprio ministro como interlocutor. Mantega tentou contornar a situação chamando os governadores ao ministério para uma reunião à noite. Mas só Lucio Alcântara estava em Brasília e aceitou ir ao encontro.

Fonte: www.cartamaior.com.br – 12/04/2006

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