37 mulheres são assassinadas em 31 dias em Pernambuco


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Nos primeiros 31 dias de 2006, 37 mulheres foram assassinadas no Estado, a maioria vítimas de seus companheiros ou ex-companheiros. Movimentos de mulheres acreditam que esse número é ainda maior.
(Fernanda Sucupira - Carta Maior)

SÃO PAULO - O Estado de Pernambuco apresenta as maiores taxas de homicídio do país, tanto de mulheres quanto de homens. Em janeiro deste ano, no entanto, foi a violência contra a mulher que atingiu níveis alarmantes. Nos primeiros 31 dias de 2006, 37 mulheres foram assassinadas no Estado, a maioria vítimas de seus companheiros ou ex-companheiros. Esse número assustador levou a uma reação do movimento feminista pernambucano, que há décadas luta contra esse problema.

Nesta semana, o Fórum de Mulheres de Pernambuco (FMPE) organizou uma vigília no centro de Recife, com cerca de mil pessoas, para exigir dos diferentes níveis de governo políticas públicas de prevenção e enfrentamento desse tipo de violência e de proteção às vítimas. O Fórum reúne 67 organizações de mulheres, entre grupos populares, ONGs, núcleos universitários, secretarias de partidos políticos e feministas autônomas.

A idéia é repetir essa mobilização todos os meses, agregando mais aliados, até conseguir respostas efetivas do poder público. “Queremos também chamar a atenção da sociedade, que precisa se indignar com o que está acontecendo, e de organizações internacionais. Essa situação de barbárie precisa ser denunciada”, afirma Ana Veloso, uma das coordenadoras do FMPE e coordenadora do Centro de Mulheres do Cabo. Elas encaminharam uma carta à Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e Ministério da Justiça e um dossiê sobre esses casos para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Os movimentos de mulheres acreditam que esse número de assassinatos ainda está abaixo da realidade, já que há uma subnotificação dos casos e o acompanhamento desses homicídios está sendo feito somente pela cobertura da imprensa e por meio de informações fornecidas por organizações da sociedade civil.

Por conta desse quadro preocupante, nesta terça-feira, dia07/02, a ministra da SPM, Nilcéia Freire, procura dialogar com o Governo de Pernambuco, com o Tribunal de Justiça e com o movimento feminista para construir estratégias de enfrentamento da violência contra a mulher que envolvam o poder executivo, judiciário e a sociedade civil. A maior reclamação das feministas é que o governo estadual, sob o comando de Jarbas Vasconcelos (PMDB), não está realmente aberto ao diálogo e disposto a resolver esse problema.

“Já enviamos documentos, relatórios, denúncias, elaboramos propostas. Participamos de audiências com governantes, secretários e Ministério Público, que nos recebem, prometem e não fazem nada. Nas conferências municipais e estadual de políticas para as mulheres, a violência foi colocada como prioridade, mas é como se o Plano Estadual de Políticas para as Mulheres não existisse”, critica Ana Paula Portella, da coordenação de pesquisa do SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia, entidade que faz parte do FMPE.

Para se obter mudanças efetivas, o Fórum de Mulheres de Pernambuco acredita que os governos federal, estadual e municipal precisam assumir essa questão como um problema público prioritário, com medidas de combate à violência em todas as áreas de atuação, numa abordagem muito mais abrangente e complexa que saia do âmbito exclusivamente policial. É necessário um conjunto de ações articuladas de saúde, educação, assistência social, política urbana, moradia, emprego e renda, cujo objetivo principal seja prevenir esses crimes.

Um exemplo da falta de atenção do Estado para o problema da violência de gênero é que existem apenas quatros Delegacias Especializadas no Atendimento às Mulheres em Pernambuco, o que deixa muitas regiões sem esse tipo de serviço, como a da Zona da Mata Sul, que abrange 21 municípios. “Nessa região marcada pela cultura patriarcal canavieira, extremamente violenta, onde a mulher sofre todo tipo de discriminação, no trabalho e em casa, não há nenhuma delegacia da mulher, nenhum hospital de referência para o atendimento das vítimas de violência”, relata a coordenadora do Centro das Mulheres do Cabo. Para um atendimento especializado, essas pernambucanas precisam se deslocar para outras regiões a duas ou três horas de distância. “O governo diz que não tem recursos para ampliar o número de delegacias da mulher, mas é uma questão de dar prioridade”, avalia.

DUPLAMENTE VULNERÁVEL

O padrão da violência contra a mulher em Pernambuco vem mudando nos últimos anos, de acordo com pesquisa do Observatório da Violência, projeto do SOS Corpo, que desde 2002 produz informações e análises para subsidiar a ação do movimento de mulheres e cria espaços de diálogo sobre esse tema. De 2002 a 2004, o Observatório estudou 528 casos divulgados pela imprensa no Estado.

Tradicionalmente, a violência contra a mulher é cometida pelo parceiro íntimo ou por um familiar, dentro de casa, à noite. Em Pernambuco, no entanto, um fenômeno que vem sendo identificado recentemente é o crescente número de assassinatos de mulheres cometidos por desconhecidos das vítimas. Os homicídios que ocorrem à luz do dia e em espaços públicos – até mesmo em ruas de grande movimento, praças e em frente a hospitais - já representam cerca de 40% dos casos.

Para a pesquisadora Ana Paula Portella, que integra a equipe do Observatório de Violência, isso indica que as mulheres pernambucanas estão duplamente vulneráveis à violência grave, tanto em casa quanto na via urbana. “É uma conjugação perversa entre as desigualdades sociais históricas da região com as desigualdades de gênero, também tradicionais no Estado, com sua cultura patriarcal e escravocrata. Isso se associa a uma ausência absoluta de políticas de segurança e de políticas integradas de combate à violência. Não há qualquer iniciativa para combater esse problema, a não ser a compra de viaturas”, denuncia Ana Paula. A grande maioria das mulheres assassinadas em janeiro são pobres, jovens e afrodescendentes, seguindo o mesmo perfil dos homicídios masculinos.


IMPUNIDADE

Um dos maiores problemas relacionados ao combate da violência contra a mulher é o elevado índice de impunidade, o que perpetua esse ciclo de violação dos direitos das mulheres. “A falta de vontade política do Governo, a ineficiência da polícia (delegacias abarrotadas de inquéritos sem conclusão) e a ausência de um aparato legal que garanta a responsabilização dos agressores - de acordo com o crime imputado - têm favorecido a impunidade e contribuído para que Pernambuco continue apresentando os piores números de violência familiar e doméstica contra as mulheres no país”, afirma o Fórum de Mulheres de Pernambuco, em sua carta aberta.

Por isso, entre as reivindicações do movimento está a urgente aprovação do projeto de lei 4.559/04, em tramitação na Câmara desde 2004, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar, e entre outras coisas pretende alterar esse quadro de completa impunidade dos agressores. As feministas pernambucanas estão pressionando os deputados federais do Estado para que votem favoravelmente à proposta, que faz parte da pauta da convocação extraordinária, mas ainda não houve nenhuma sinalização das lideranças da Câmara pela votação dela.


Numa reunião da bancada feminina da Câmara nesta semana, foi consenso entre as deputadas federais de que esse deve ser um projeto prioritário de todos os partidos. De acordo com informações do gabinete da deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ), relatora do projeto, as parlamentares vão pressionar os líderes dos partidos na Câmara para forçar a aprovação até o dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Depois disso, ele ainda precisará passar pelo Senado para chegar ao presidente Lula. Nas comemorações do dia 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), já havia se comprometido publicamente a levar o projeto a plenário ainda em 2005.

A proposta foi elaborada por um grupo de trabalho interministerial, a partir de um anteprojeto de lei para prevenir, punir e erradicar essa forma de violência, entregue à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) por um consórcio de entidades ligadas aos movimentos de mulheres.
Além da violência física, o projeto engloba a violência psicológica, sexual, patrimonial e moral, e apresenta diretrizes de políticas e ações integradas do poder público para diversas áreas. A proposta é bastante abrangente, com medidas preventivas, assistenciais, punitivas, educativas e de proteção à mulher e aos filhos.

Entre elas estão a capacitação permanente do Ministério Público, das defensorias públicas e da polícia civil; a assistência social às mulheres agredidas; o encaminhamento dos envolvidos a uma equipe multidisciplinar; e a ampliação do rol de medidas de proteção à vítima e de medidas cautelares em relação ao acusado, como a suspensão do porte de armas.

O projeto prevê também a criação de varas e juizados especializados para tratar da violência doméstica e familiar contra a mulher; que a violência doméstica seja descaracterizada como crime de menor potencial ofensivo; e que a pena de lesão corporal praticada contra integrante da família ou companheiro, que hoje é detenção de seis meses a um ano, passe a ser de três meses a três anos.

Fonte; www.cartamaior.com.br - 03.02.06

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