Iacelys de Carvalho - História de uma servidora pública na memória de uma mulher preta
Angela Davis, Bell Hooks, Patricia Hill Collins, são mulheres retratadas na História como desbravadoras do feminismo negro. Esse feminismo que chegou ao Brasil apenas em 1970, embora a luta por gênero mas sem recorte de raça tenha surgido bem antes, com o direito ao voto da mulher branca ainda em 1934 (já que as pretas não podiam votar porque não eram alfabetizadas), alcançou mulheres pretas dos dias atuais que hoje, como mobilizadoras sociais, repassam suas militâncias para as filhas e netas além de empoderar outras que estão à sua volta, fazendo com que esse processo funcione como um ciclo sem fim, que apesar das repressões e da minimização de suas lutas, não se encerra, alcançando gerações.
A luta romantizada das mulheres negras que são ditadas como “guerreiras” por lutarem por um direito que sempre foi delas mas que foi tomado, aparece em Iacelys Maria Santana de Carvalho, mulher preta, 61 anos, dirigente sindical há mais de uma década que atua na pasta da Secretaria de Políticas Sociais e Culturais do Sindsprev Pernambuco.
Iacelys, no Julho das Pretas, promoveu um evento notório para dar visibilidade às negras servidoras públicas federais da saúde e previdência de Pernambuco com uma estrutura pensada para seus empoderamentos, fazendo jus à frase de Davis que diz que “quando uma mulher preta se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela”.
Filha de pais analfabetos, bolsista parcial em escola privada por causa do emprego de seu pai, conquistou os outros 50% de sua bolsa ingressando na banda marcial da escola, majoritariamente branca, que ao mesmo tempo em que destacava sua cor entre as amigas a fazia de alvo de piadas com seu cabelo crespo, altura e cor de pele. Apesar disso, nada a intimidava: naquele tempo não se falava em racismo para mim, eu não sabia que a palavra era essa mas sabia que era porque eu era negra, contudo, sempre fui caçadora de medalhas e troféus, em busca das melhores notas para mostrar que como negra também poderia ser destaque”, afirmou.
A militante, servidora pública da saúde, terminou o curso técnico de enfermagem aos 18 anos. Seu primeiro emprego aconteceu aos 19 e após 4 meses de trabalho, ela passou em um concurso público estadual que a fez ingressar no Hospital Otávio de Freitas. 4 anos depois, Iacelys foi aprovada em um concurso público federal onde ingressou no Hospital Barão de Lucena completando uma história de 37 anos de serviços públicos.
Perguntada sobre quantos médicos negros ela encontrou durante as quase quatro décadas de trabalho, a servidora, após alguns momentos de pausa, refletiu que apenas doisn cruzaram seu caminho nesse período: “é triste mas em toda a minha vida de servidora, encontrei apenas dois médicos negros. Um era cirurgião e outro, nefrologista. Fato que era invertido nas profissões de serviço gerais, por exemplo, onde a maioria dos trabalhadores dos hospitais que passei era negra”, refletiu.
Ainda nos locais de trabalho, a dirigente afirmou que sofria racismo principalmente quando andava sem bata pelos corredores: “já fui confundida com a moça da limpeza quando fui atender a um paciente. Para mim, é uma profissão tão digna como todas as outras, mas isso fala muito sobre os espaços que a sociedade julga que devemos estar ocupando”.
A Iacelys de hoje, como ela mesma afirma, é uma mulher negra, que é mãe, avó, bisavó e militante sindical que conheceu o caminho dos sindicalistas nos movimentos sociais e tornou-se muito mais empoderada e fortalecida com os movimentos mas também com suas vivências árduas e desafiadoras: “quando você quer melhorar as pessoas, quer melhorar o seu ambiente, quer melhorar a sua vida, você começa a mexer um pouco com a sociedade. Não ser somente uma dona de casa, uma moça criada somente para cuidar do lar e dos filhos, foi o que sempre quis fazer. Durante toda essa minha vida eu fui e sou justamente isso”, concluiu.