Instrução Normativa pune grevistas e oficializa figura de delator público federal


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No último mês de julho, o Ministério da Economia, do Governo Bolsonaro, publicou a Instrução Normativa Nº 54 que, além de ser antidemocrática, beira os limites do controle ditatorial. O documento cria um sistema que identifica o planejamento de greves na administração pública federal, monitora as paralisações, promove o corte automático do ponto de cada grevista e suspende o pagamento de seus vencimentos. Constitucionalmente ilegal e, portanto, espera-se que a IN 54 seja judicializada o mais breve possível.

A Instrução Normativa ainda orienta que os gestores de cada órgão federal nomeiem um funcionário, que deve ficar responsável por delatar ao governo, diariamente e em tempo real, as informações referentes a greves e paralisações. “Constatada a ausência do servidor ao trabalho por motivo de paralisação decorrente do exercício do direito de greve, os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec) deverão processar o desconto da remuneração correspondente”, afirma o texto.

A medida, editada como uma tentativa de afastar o risco de uma greve geral contra a aprovação da PEC 32, tem causado perplexidade em todas as esferas da administração pública, de todos os entes federativos, bem como nos meios jurídicos por todo o país. Voltaremos aos anos de chumbo e teremos, pois, uma lista de pessoas (que aos olhos de um governo tirano, não passam de desordeiros) que serão perseguidas e retaliadas pelo simples fato de exercerem seus direitos?

Em primeiro lugar, porque o direito de greve no setor público é expressamente previsto pela Constituição. Em segundo lugar, porque, apesar do STF ter referendado o corte de ponto e a suspensão dos vencimentos num julgamento feito em 2016, o governo, segundo a Corte, não pode fazê-lo sem antes propor uma negociação com os sindicatos dos diversos setores do funcionalismo público.

E, em terceiro lugar, o Ministério da Economia decidiu que as universidades federais também estão submetidas às determinações da instrução normativa, o que é uma aberração jurídica. Afinal, elas gozam de autonomia assegurada pela Constituição. E pela hierarquia das leis, no Estado Democrático de Direito, uma instrução normativa – que não passa de uma simples norma complementar administrativa destinada a completar o que está numa portaria ou num decreto – em hipótese alguma pode revogar direitos constitucionais.

A ofensiva do Ministério da Economia contra o funcionalismo e contra os servidores e professores das universidades federais não é recente. Em seus primeiros meses à frente dessa pasta, o ministro Paulo Guedes chamou os funcionários públicos de “parasitas”. E, a exemplo do que já disse seu superior hierárquico, o presidente Jair Bolsonaro, também apontou as universidades federais como “focos de desperdício de recursos”, criticando-as por serem dirigidas por “reitores de esquerda”.

Em resposta às críticas contundentes vindas de setores sindicais, universitários e jurídicos, o Ministério da Economia alegou, por meio de nota, que o governo “não dispunha de ferramenta que pudesse oferecer informação sistematizada e ágil a respeito da paralisação de suas atividades”.

Além do flagrante desconhecimento em matéria de direito constitucional evidenciado pelo texto da IN n.º 54, o Ministério da Economia se esqueceu de que já existe um órgão encarregado desse tipo de trabalho, que é a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). E ainda relegou para segundo plano o fato de que, se a greve é um direito constitucional, é um atentado contra a lógica jurídica tentar punir administrativamente quem planeja uma greve ou, então, quem participa de uma greve tida como legal pelos tribunais.

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